sábado, 19 de abril de 2008

O fim da ocupação

O reitor temporário da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Aguiar, ocupou, ontem, pela primeira vez o gabinete da reitoria. A partir de agora, os serviços do local devem voltar ao normal e Aguiar, finalmente, dará início à fase de transição da antiga para a nova administração. Em um clima de despedida e com o sentimento de vitória, os estudantes do movimento de ocupação deixaram o prédio pela manhã, conforme decidiram em assembléia realizada no dia anterior. Antes disso, foi realizada uma vistoria em todos os ambientes do gabinete. A ação também foi acompanhada pelo reitor, servidores técnicos-administrativos, professores e alunos. Agora, a comunidade universitária se prepara para as eleições para o novo reitor. Aguiar defende a paridade de votos (dando o mesmo peso para todos os segmentos).

Antes da chegada do reitor, porém, o movimento de ocupação já havia liberado a entrada da imprensa aos andares superiores da reitoria. Algumas barracas de camping, onde os alunos dormiam, ainda permaneciam montadas no local. Os corredores estavam limpos e as salas foram mantidas intactas. Porém, a porta de madeira que fica na entrada do gabinete, danificada no primeiro dia da ocupação (3 de abril), ainda permanecia quebrada. No lugar do vidro de uma das janelas do terceiro andar, que também foi quebrado, um saco plástico.

Na principal sala do gabinete, estava a cadeira que era utilizada pelo ex-reitor, Timothy Mulholland – que renunciou ao cargo no último dia 13, após ser pressionado pelos estudantes. Segundo os manifestantes, ela teria custado R$ 6 mil. Na parte de baixo do móvel, chamava a atenção uma plaqueta de patrimônio. Ela indicava o nome da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec). A entidade foi alvo de denúncias de desvio de verbas que deveriam ter sido usadas em pesquisa, para a decoração e reforma do apartamento do ex-reitor. Foram gastos nada menos que R$ 470 mil no imóvel, segundo o Ministério Público do DF.

Segundo Roberto Aguiar, a porta e o vidro danificados não podem ser considerados grandes problemas. "Em toda ocupação é possível que ocorram pequenos danos. Mas não estou preocupado com isso, não faremos questão de coisas pequenas. O prédio está em bom estado de conservação", afirmou.


De acordo com o reitor, os serviços burocráticos que ficaram paralisados durante a ocupação do prédio devem voltar à normalidade já na próxima terça-feira. Porém ontem, alguns funcionários já voltaram à ativa.

A ocupação do movimento estudantil comprometeu a realização de serviços administrativos essenciais. Elaboração da folha de pagamento de professores e funcionários, continuidade dos trabalhos da expansão da UnB, execução dos concursos para professores e servidores, efetivação de contratos e convênios, entre vários outros, são exemplos disso. De acordo com Roberto Aguiar, ainda ontem já seriam feitas reuniões com alguns segmentos da comunidade acadêmica.

O reitor disse que, agora, precisa colocar a casa em ordem. "Precisamos acertar todas as pendências", disse. O cargo do vice-reitor e outros quatro decanatos (que auxiliam o reitor na administração) ainda não foram ocupados. O único nome confirmado é do professor do curso de Direito, Alexandre Bernardino, indicado para o Decanato de Extensão. "Ainda estou me comunicando com as pessoas. Na próxima semana, a equipe deve ser definida", enfatizou Aguiar.


Segundo o reitor, a relação entre a UnB e as fundações de apoio ligadas à ela (como a Finatec) devem ser avaliadas. Mas isso só vai acontecer depois que o decanato estiver completo. "São pessoas que poderão se dedicar exclusivamente a esse assunto", garantiu. Na tarde de ontem, mais um nome foi escolhido. Professor e pesquisador do Instituto de Física (IF), Marco Antônio Amato é o novo Decano de Pesquisa e Pós-graduação.

Quanto à paridade nas eleições para reitor (na qual os votos dos três segmentos teriam o mesmo peso) e à convocação de um Congresso Estatuinte Paritário, que discutiria o estatuto da universidade, Aguiar se colocou totalmente favorável. Mas, cauteloso, disse que o assunto precisa ser discutido em todos os institutos e faculdades da universidade.

A paridade nas eleições e a convocação de um Congresso Estatuinte são as principais reivindicações dos estudantes. "A reestruturação da universidade é nosso principal ponto de pauta. Agora, o trabalho começa fora da reitoria, na série de debates que serão iniciados sobre o assunto", declarou Luíza Oliveira, coordenadora-geral do Diretório Central da UnB.

A UnB quer seguir o exemplo de outras universidades do País. Levantamento feito pela Secretaria de Comunicação (Secom) da UnB mostra que de 43 instituições, 23 possuem consulta com voto paritário e 20 têm votação com peso diferente para os três segmentos da comunidade acadêmica. A expectativa dos estudantes da UnB é que o Consuni aprove a paridade e que, ainda este ano, ocorram as eleições para reitor nesses moldes. Roberto Aguiar tem até seis meses para conduzir este processo.


A crise envolvendo a UnB, no entanto, não termina com a saída dos estudantes da reitoria. No último dia 8, os Ministérios Público Federal (MPF) no DF (MPDFT) entraram na Justiça Federal com uma ação de improbidade administrativa contra o ex-reitor Timothy Mulholland e o ex-decano de Administração, Érico Paulo Weldle, que renunciou ao cargo no último dia 11. A ação que alega desvio de verbas públicas destinadas à pesquisa para a decoração do apartamento que o ex-reitor ocupava na Asa Norte aguarda análise jurídica na 21ª Vara Federal da Seção Judiciária do DF.

Esta semana, Mulholland também foi convocado a depor no MPDFT. Porém, ele não compareceu. Segundo o MP, o ex-reitor apresentou um atestado médico e uma nova data para o depoimento ainda não foi marcada. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs do Senado também convocou o diretor da Editora UnB, Alexandre Lima, a prestar esclarecimentos sobre os gastos da editora na próxima quarta-feira, às 11h.


Um aluno do curso de Serviço Social da UnB, com apenas 22 anos de idade, é um dos personagens principais na história do movimento de ocupação. Um jovem aparentemente tímido, mas que não tem vergonha de lutar por seus direitos e pela melhoria da instituição de ensino na qual estuda. Este é Fábio Félix Silveira, coordenador-geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UnB.

Fábio ainda se assusta com o assédio da imprensa, mas se diz orgulhoso com a série de conquistas, como a saída do ex-reitor Timothy Mulholland, do vice, Edgar Nobuo, e de todo o Decanato de Extensão. "Colocar a paridade e o Congresso Estatuinte Paritário na pauta de discussão da universidade também foram vitórias importantes para nós", completa.

Mas, para chegar até aqui, o caminho não foi fácil. Segundo ele, houve muitos momento difíceis. A possibilidade de invasão por parte da Polícia Federal, por exemplo, deixou os estudantes com bastante medo. Isso por conta do pedido de reintegração de posse solicitado pela UnB à Justiça, na ocasião. "No começo, tivemos muitas dificuldades. No primeiro dia, por exemplo, nos alimentamos apenas com pão e mortadela. Dormir também era muito difícil", contou Félix.

O líder estudantil espera que a luta dos alunos das universidades no Brasil inteiro seja impulsionada. Para ele, o movimento estudantil se fortificou depois da ocupação da UnB. "O problema das fundações de apoio atingem as universidades federais do País. Acho que todas as outras universidades devem buscar seus direitos", disse.

Agora, Félix espera voltar para casa, no Guará, e rever seus familiares. "Em todos esses dias fiquei apenas duas horas na minha casa", afirmou. Apesar disso, ele não pensa muito em descansar. "Já iniciaremos uma série de reuniões para discutir a paridade e o Congresso Estatuinte Paritário", finalizou, animado.

Da pauta com 17 itens, os estudantes tiveram vários pontos atendidos de imediato. Entre eles, a saída do ex-reitor e do seu vice. Pressionados pelos estudantes e Ministério Público e cercados por denúncias de mau uso do dinheiro público, ambos renunciaram aos cargos.

Sobre a convocação imediata de eleições diretas e paritárias para reitor, também outro ponto da pauta, o reitor se comprometeu a convocar eleições nos moldes pedidos pelos estudantes. Outra conquista de imediato foi a abertura das contas de todas as fundações da UnB. Roberto Aguiar se comprometeu a investigar estas entidades.


Fonte: Jornal de Brasília, Tribuna do Brasil, Rede Globo e CorreioWeb

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