Os vastos gramados brasilienses são um campo minado para quem resolve se aventurar fora das calçadas. Crianças e adultos correm o risco de pisar em fezes deixadas no espaço público por animais domésticos — e que deveriam ser recolhidas pelos donos dos bichos. Além do óbvio desconforto causado pela sujeira, esses dejetos podem provocar doenças. Mesmo assim, em alguns locais, nem mesmo os passeios escapam de virar banheiro canino. Enquanto isso, uma lei distrital que obriga o cidadão a coletar o material passa despercebida pelos órgãos públicos. A legislação completa 10 anos de vigência em 2008. O governo promete agir a partir de agora e multar quem desrespeita a norma.
A consultora de viagens Lílian Guimarães, 36 anos, mora há sete meses na Asa Norte e estranha o hábito local. “Vim de Curitiba (PR) e, lá, quem não pega o cocô ganha multa. Além disso, a fiscalização é constante”, garante ela, enquanto passeia com os vira-latas Peri e Penni. “Aqui, raramente vejo alguém catando as fezes, e a gente sempre pisa em algo desagradável quando está andando pela quadra”, reclama a consultora, que, quando sai com os cachorros, leva sacolas de plástico.
No Setor Sudoeste, quem “esquece” de levar um recipiente para recolher as fezes tem outra chance. A Administração Regional espalhou placas de conscientização pelo bairro e usa a sinalização para pendurar sacos de plástico. “Ainda assim tem muita gente que prefere deixar a rua, a grama ou a calçada sujas”, lamenta a contadora Berenice Santana de Abreu, 30, moradora da Quadra 106. “Acho triste ver as áreas de convivência da cidade que é patrimônio histórico da humanidade cheias de fezes”, completa a contadora. Ela não tem cachorro, mas não implica com os animais. “Não é culpa deles, que precisam fazer suas necessidades, e sim dos donos, que mostram não ter respeito pelo próximo”, afirma.
O Correio não encontrou quem admitisse não limpar a sujeira do próprio cão. Mas a quantidade de dejetos à vista em regiões dos lagos Sul e Norte, asas Sul e Norte e Sudoeste mostra como deixar as fezes no chão tornou-se corriqueiro. Essa situação deveria ser bem diferente, segundo a Lei Distrital nº 2.095/98. No Artigo 3º do Capítulo nº 3 está claro: “Os proprietários são responsáveis pela manutenção dos animais em boas condições de alojamento, alimentação, saúde e bem-estar, pela remoção dos dejetos por eles deixados nas vias públicas, bem como pelos danos que causem a terceiros”.
Um decreto do mesmo ano, assinado pelo então governador Cristovam Buarque, definiu que as administrações regionais seriam responsáveis pela fiscalização da lei. Mas, segundo a assessoria de comunicação da Administração de Brasília, os órgãos perderam seus quadros de fiscais. A responsabilidade é, agora, da Agência de Fiscalização (Agefis) do Governo do Distrito Federal.
Rôney Nemer, gerente da Agefis, admitiu à reportagem que desconhecia a lei. Mas, após saber do texto, garantiu seu cumprimento. “A fiscalização é de nossa responsabilidade. Por isso, vamos organizar uma programação para visitar os locais de maior freqüência de pessoas passeando com cachorro”, informa, sem especificar, no entanto, quando a operação começará. Equipes de fiscais da limpeza pública realizarão o serviço. “Quem desrespeitar a lei será abordado pelo agente do governo para ser autuado”, afirma Nemer. A multa é de R$ 50, valor estipulado pela própria Agefis, já que nem a lei nem o decreto deliberam sobre quantias.
Para a servidora pública Carla Miranda e Silva Oliveira, 40, apenas a fiscalização não será suficiente para limpar os gramados do DF. “Precisamos de uma ampla campanha de conscientização porque a limpeza das cidades depende disso”, aponta. “Muita gente deixa a sujeira por aí por desinformação, por não saber da existência da lei”, completa a moradora da Asa Norte, dona da vira-lata Guga e do pinscher Ming. Ela mesma não conhecia a lei.
Não bastasse o incômodo pelo mau cheiro, as fezes de animais são um perigo à saúde. “A presença desses dejetos atrai vetores de doenças, como as moscas. Além disso, nas próprias fezes podem existir ovos de parasitas”, explica o gerente de Zoonoses do DF, Rodrigo Mena Rodrigues. A doença do bicho geográfico, por exemplo, está relacionada à presença de fezes caninas em ambientes como areia e grama. O mal é causado por larvas que penetram na pele e “caminham” pelo tecido, causando coceira intensa. À noite, os sintomas ficam mais fortes.
Fonte: Correio Braziliense
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