segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Golpe do carro barato

Nas duas últimas semanas, o Fantástico investigou mercados clandestinos de automóveis - conhecidos como marretas ou bocas. A reportagem passou por Brasília, por cidades do Tocantins, Minas Gerais e Goiás e descobriu como funciona o esquema conhecido como ágio ou finan - uma abreviatura de financiamento.



Tudo começa com um financiamento bancário. E com parcelas que nunca vão ser pagas. Um carro, por exemplo, foi comprado em 60 vezes, numa concessionária, no Distrito Federal, por Raimundo Nonato Valério. O veiculo está à venda, no interior de Goiás, por um terço do valor de mercado.

No endereço onde chegam os avisos de cobrança, ninguém sabe quem é esse Raimundo. “Essa pessoa nunca morou aqui. Nem de aluguel”, revela a dona-de-casa Rita de Jesus Gonzaga.

Ligamos para Raimundo Nonato. Ele não quis conversa: “Não tenho nada para passar contigo não”. Por dinheiro, as pessoas emprestam o nome para fazer os financiamentos.

Como ninguém vai tirar dinheiro do bolso para pagar as prestações, o carro pode ser revendido por qualquer preço, que ainda dá lucro. Na internet, há vários anúncios de veículos assim.

Num telefonema, o vendedor diz por quanto vende um carro avaliado, no mercado, em R$ 22 mil. “O valor dele é cinco mil reais. Eu mostro o carro aqui em Belo Horizonte, para qualquer pessoa”, disse o vendedor.

Fomos até a capital mineira. E vimos o carro. Mas ao saber que se tratava de uma reportagem, o vendedor saiu correndo. O parceiro dele também. Depois, por telefone, ele admitiu que vende carro barato porque o financiamento não foi pago. "Correto não é. Mas é o que eu faço", disse.

No principal ponto de comércio de carros de Goiânia, um vendedor explica que o veículo não pode ser transferido. Tem que ficar no nome de quem pegou o financiamento. “Não tem jeito de transferir não. Como vai transferir? Você não vai pagar a dívida”.

Em outro ponto, mais afastado do centro, descobrimos que os carros ilegais, de preços baixos, vão para longe. “Vende pra Goiânia, Mato Grosso, vai para o Pará. Xingu. Tudo quanto é lugar”, explica um vendedor.

É do Distrito Federal, de concessionárias de Brasília, que saem muitos carros zero quilômetro, financiados em longas prestações. Parcelas que nunca vão ser pagas. E até as financeiras cumprirem todos os procedimentos legais de cobrança, entrarem na justiça. Até sair o mandado de busca e apreensão e o veículo ser localizado, leva tempo. Muito tempo.

Em Ceilândia, os vendedores contam que demora, em média, dois anos até a justiça determinar a busca e apreensão do carro. Para não correr o risco de perder dinheiro, “mais uma fraude”, diz o homem.

“Depois de dois anos, você vem aqui, pega um mais novo, e a gente pega ele de volta”, explica o homem.



Em Anápolis, interior de Goiás, a mesma estratégia ilegal para não ter o carro tomado pela justiça. “Você vai trocando pelo mais novo, é o que todo mundo faz”, conta um vendedor.

Uma casa - com um toldo para proteger os veículos do sol - é outro ponto de Anápolis onde funciona o golpe. “É de luxo. É 1.6 esse carro. Não é mil não, é 1.6”, diz o vendedor.

Ele diz ao produtor do Fantástico, que não se identificou como jornalista, que faz entrega até em São Paulo, a quase mil quilômetros de distância. “É só me dar o dinheiro que você pode acelerar. Se você quiser combinar, eu levo para você também”. Depois, ao ser informado da gravação, ele negou tudo.



Ele tinha oferecido carros por, aproximadamente, R$ 10 mil cada. Veículos que valeriam R$ 30 mil, se fossem legalizados. Com os números das placas, fomos em busca de informações. Um dos carros está em nome de Edílson Bezerra.

No endereço que forneceu à financeira - Candangolândia, Distrito Federal - a família diz que ele foi para o Nordeste e deixou a dívida para trás. “Tem uns quatro, cinco meses. Nunca vi um carro parar aí”, revela a mãe de Edílson Bezerra.

O comprador de um outro carro também não mora mais no endereço declarado no financiamento. Mas ainda vive na mesma cidade - Planaltina, Distrito Federal. Nós encontramos Pedro Almeida. Ele diz que não conseguiu pagar as prestações, repassou o veículo e achava que fossem pagar a dívida.


Fonte: G1/Rede Globo

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