O campus da UnB em Ceilândia recebe seus primeiros alunos. Ao ver nos jornais as fotos e depoimentos dos jovens cheios de energia e de esperança que iniciam essa jornada rumo ao futuro, não posso deixar de fazer uma viagem no tempo para contar uma historinha que começa em janeiro de 1984.
Em dezembro do ano anterior eu concluíra o segundo grau, no antigo Centro Educacional 03, hoje CEM 03, em Ceilândia Sul. Naqueles tempos, para a maioria dos jovens de Ceilândia a vida de estudante terminava ali mesmo. Daquele ponto em diante, os que não enveredavam por caminhos sem volta tratavam de arrumar um emprego em alguma loja ou escritório (caso já não estivessem trabalhando e estudando ao mesmo tempo). Ou no máximo arriscavam algum concurso público para cargos de nível médio. Enfim, era o momento de começar a tocar a vida. Curso superior era algo que ficava apenas no plano dos sonhos. A UnB, única universidade gratuita, além de ficar longe, só oferecia cursos diurnos. Ali a maioria dos alunos era formada por filhos de famílias abastadas, que podiam mantê-los estudando durante todo o dia. As faculdades privadas, nas quais era possível estudar à noite, custavam os olhos da cara (aliás, acho que custam até hoje).
Mas eu não conseguia me acostumar à idéia de não poder fazer um curso superior. Como janeiro era a temporada de vestibulares, naquele começo de 1984 fiquei inquieto. Queria tentar, mas havia dois problemas. O primeiro: não tinha dinheiro para pagar a taxa de inscrição. No ano anterior eu ganhara um concurso de redação e, com o dinheiro do prêmio, comprei uma máquina de escrever. Com ela eu levantava uns trocados datilografando petições para os estudantes de Direito que estagiavam no fórum de Taguatinga (onde hoje é a Academia de Polícia Civil). Mas era uma merreca. O segundo: toda a minha vida eu havia estudado em escolas públicas. Era muito atrevimento pensar que tinha alguma chance de aprovação sem antes passar por um cursinho pré-vestibular, que naquele tempo também custava os olhos da cara (e, de novo, acho que custa até hoje).
Em dezembro do ano anterior eu concluíra o segundo grau, no antigo Centro Educacional 03, hoje CEM 03, em Ceilândia Sul. Naqueles tempos, para a maioria dos jovens de Ceilândia a vida de estudante terminava ali mesmo. Daquele ponto em diante, os que não enveredavam por caminhos sem volta tratavam de arrumar um emprego em alguma loja ou escritório (caso já não estivessem trabalhando e estudando ao mesmo tempo). Ou no máximo arriscavam algum concurso público para cargos de nível médio. Enfim, era o momento de começar a tocar a vida. Curso superior era algo que ficava apenas no plano dos sonhos. A UnB, única universidade gratuita, além de ficar longe, só oferecia cursos diurnos. Ali a maioria dos alunos era formada por filhos de famílias abastadas, que podiam mantê-los estudando durante todo o dia. As faculdades privadas, nas quais era possível estudar à noite, custavam os olhos da cara (aliás, acho que custam até hoje).
Mas eu não conseguia me acostumar à idéia de não poder fazer um curso superior. Como janeiro era a temporada de vestibulares, naquele começo de 1984 fiquei inquieto. Queria tentar, mas havia dois problemas. O primeiro: não tinha dinheiro para pagar a taxa de inscrição. No ano anterior eu ganhara um concurso de redação e, com o dinheiro do prêmio, comprei uma máquina de escrever. Com ela eu levantava uns trocados datilografando petições para os estudantes de Direito que estagiavam no fórum de Taguatinga (onde hoje é a Academia de Polícia Civil). Mas era uma merreca. O segundo: toda a minha vida eu havia estudado em escolas públicas. Era muito atrevimento pensar que tinha alguma chance de aprovação sem antes passar por um cursinho pré-vestibular, que naquele tempo também custava os olhos da cara (e, de novo, acho que custa até hoje).
Pesei os contras, já que prós eu não tinha nenhum que pesar mesmo. Me decidi. Consegui dinheiro emprestado com os irmãos e me inscrevi no vestibular para o curso de jornalismo do CEUB. Ao fazer as provas, não achei nada de excepcionalmente assustador. Cobravam de modo um pouco mais aprofundado os conteúdos que eu havia estudado, sozinho ou na escola pública, da maneira que me fora possível estudar.
Alguns dias depois um vizinho me pára na rua. Acabara de ouvir no rádio meu nome na lista de aprovados. De novo com dinheiro emprestado pelos irmãos, corri à banca e comprei o jornal do dia. Estava lá meu nome no meio daquela lista que eu mal conseguia ler, de tão ansioso. Fiquei feliz, a família comemorou, até que um dos irmãos que me emprestara dinheiro para a inscrição nos chamou à realidade. Como naquela música do grupo Blitz, que fazia sucesso na época, ele falou sem rodeios: “Tá tudo muito bem, tá tudo muito bom, mas realmente… quem vai pagar a matrícula? E as mensalidades?”
Tentando me recuperar do balde de água fria, respondi na bucha: “Vou vender bananas na feira da Ceilândia, se for preciso. Mas não vou desperdiçar esta chance”. Eu seria o primeiro da família a pisar em uma universidade, por isso uma irmã pegou emprestado com alguém o dinheiro para a matrícula. E assim, evitando pensar no valor das mensalidades, logo lá estava eu em uma sala de aula do CEUB.
No primeiro dia, o professor pede a cada um que se apresente. Entre os alunos, alguns com certo “pedigree”: um era Augusto Xavier, então apresentador da Rede Globo, outra era a filha do presidente da OAB/DF, Mauricio Corrêa, que viria a ser senador e ministro do STF. Quando chegou a vez deste pobre retirante nordestino, me apresentei e fiz questão de declarar em alto e bom som que era de Ceilândia. Para quem não sabe ou já esqueceu, havia na época um repórter policial chamado Mário Eugênio, que esculachava com a cidade (como podem ver, não é de agora que a imprensa do DF faz isso). Então, quando eu disse onde morava, foi um “iiiiihhhh” geral.
A partir dali alguns colegas se aproximaram, outros se mantiveram distantes. Entre os que se aproximaram, estava o hoje assessor de imprensa do governador José Roberto Arruda, Omézio Pontes, que nem deve se lembrar de mim. E vai querer lembrar menos ainda depois que eu contar aqui que zoavam com o nome dele. Tinha um colega, hoje radialista conhecido, que parodiava a música “Kid Cavaquinho”, de João Bosco, e cantava: “Omézio, a mulher do vizinho / sustenta, aquele vagabundo…”
Foram tempos interessantes. O CEUB fica na Asa Norte e na época não havia ônibus direto para lá. Como na letra daquela música do Zé Geraldo, para ir à faculdade eram quatro “condução”: duas pra ir, duas pra voltar. Que na verdade viraram seis, pois antes de vencer a primeira mensalidade do curso e o desespero me levar a vender bananas (que eu nem tinha) lá na feira da Ceí, consegui um emprego. Só que eu morava no setor P Sul e o local de trabalho ficava no final de Ceilândia Norte. Claro que também não existia linha de ônibus direta ligando os dois setores. Então a coisa ficava assim: de manhã eu pegava um ônibus até Ceilândia Centro, depois outro até Ceilândia Norte. No fim do dia, saía do trabalho, pegava um “baú” até a rodoviária do Plano Piloto ou o começo da W3 Sul, dali mais um até a Asa Norte. Terminadas as aulas, assistidas naturalmente com o estômago vazio, mais duas conduções de volta para casa, onde eu chegava por volta de uma e meia da manhã. No dia seguinte, às seis, começava tudo de novo.
Como a vida oferece diversão, mas cobra ingresso, na metade do curso vi-me diante da necessidade urgente de ganhar um salário melhor. Fiz outro vestibular, desta vez para o curso de Letras, e já sem precisar desfalcar o bolso dos familiares. Fui novamente aprovado. O curso não tinha o mesmo glamour do outro, mas com o aproveitamento das matérias já cursadas eu terminaria a faculdade mais cedo e tinha garantia de emprego como professor, quase que imediatamente após a formatura. E como professor eu iria ganhar um salário equivalente a três vezes o que eu ganhava no outro emprego. As obrigações falaram mais alto. Concluído o curso de Letras, passei a lecionar em escolas de Ceilândia, atividade na qual trabalhei por quase dez anos.
Tudo isso só para dizer a essa rapaziada boa que forma as primeiras turma da UnB em Ceilândia, que tem a sorte de estudar pertinho de casa, e “de grátis”: aproveitem, porque vale a pena.
E daqui de Buenos Aires, após deixar temporariamente a Ceí e rodar por mais de 15 países, ajudando brasileiros em apuros, quero repetir para cada um de vocês o slogan daquele outro senhor marronzinho como eu que foi indicado ontem para concorrer à presidência dos Estados Unidos: YES, WE CAN!
Mandem-me convite para a festa de formatura.
PS.: Já devolvi a grana que a família me emprestou no começo dessa história toda.
Fonte: Ceilândia.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário