sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Refém Desabafa

Caixa de drogaria conta como foram as horas como refém

Na oração, de mãos cruzadas. Foi assim que Regina Chaves, de 26 anos, encontrou força para suportar os mais terríveis momentos de toda a sua vida. Refém de um bandido que a manteve por cinco horas com um revólver apontado para a cabeça, a caixa da farmácia assaltada na manhã de quarta-feira (20/08) falou ao Correio, na manhã dessa quinta-feira (21/08). Frágil, com aparente cansaço, madrugada insone e voz trêmula, Regina contou, como se ainda estivesse anestesiada, vivendo o mesmo pesadelo: “Rezei o tempo inteiro”.

No meio do pânico, ela ainda teve forças para implorar ao homem que a ameaçava de morte: “Você também tem um filho”. Nesse momento, agitado, Roger do Arte, de 23 anos, foragido da Papuda, a deixou falar com o marido, o office-boy Clerisson Silva, de 36 anos. O marido já sabia do assalto e ligava insistente e desesperadamente para o celular da mulher. Em lágrimas, Regina lhe disse: “Fala pro Juan (o filho de 4 anos do casal) que eu amo ele”. A conversa durou 20 segundos. Na cabeça dela, um revólver calibre .38 pronto para ser disparado a qualquer momento. Um homem alucinado, sob efeito de medicamento, sem medo de perder mais nada, ameaça acabar com tudo. Era matar ou morrer.

Em cinco horas de horror, a maranhense de Dom Pedro viu um filme passar pela sua vida. Pensou no filho, no marido, nas poucas e batalhadas conquistas que havia tido na vida. Na luta que trava todos os dias para ser feliz. No emprego de caixa, até então, a maior vitória financeira que tivera. Regina pensou ainda em tudo que ainda poderia viver. Na manhã de ontem, na companhia do filho e do marido, um outro filme a atormentava. Provavelmente, essas imagens ainda ficarão por muito tempo na sua cabeça. Ou por todo o tempo: “Um filme fica passando pela cabeça da gente. Não consegui descansar nada. Eu tomei um medicamento justamente para dormir e não consegui”, ela disse, amparada pelo pai de seu filho.

No fundo da casa de um irmão, no P Norte, em Ceilândia — construção sem forro no teto, com paredes pintadas em tom pastel e móveis simples —, Regina recebe o aconchego da família. Só conseguiu alimentar-se com um pouco de caldo de carne. Não tem sentido fome. Ora o pensamento se perde. Ora os olhos divagam. No meio da conversa, ela pára de falar. Chora. O tormento ainda ronda a mulher que, ao chegar à farmácia onde trabalha há um ano e dois meses, foi surpreendida por uma violência inominável. Acuada, agredida e refém de um bandido ensandecido. Negociação. Tensão. Desespero. Ela sabia que podia morrer ali mesmo.

“O próximo será em mim”
O assaltante avisou: “Se eu não conseguir o que quero (um carro, colete à prova de balas e proteção pra fugir), faço o que deve ser feito, atiro em você e depois me mato”. Regina sabia que a qualquer momento tudo podia acabar. No auge do desespero, um disparo certeiro de um atirador de elite. O homem que a segurava pelo pescoço cai. Se esvai em sangue. E morre ali, agonizando em si mesmo. “Tive medo de morrer. Quando ouvi o barulho do tiro, pensei que fosse mais uma vez ele (o assaltante) atirando contra a parede. Ele tinha atirado duas vezes na loja. Aí, pensei: O próximo será em mim”, ela conta, com os olhos marejados e as mãos entrelaçadas às do marido. Levada para o Hospital Regional de Ceilândia (HRC), Regina foi medicada. Estava, fisicamente, bem. Pressão arterial normal. Mas os médicos recomendaram que faça um tratamento com psicólogo.

Durante a entrevista, no momento em que se lembrou da rápida conversa que teve com o marido e pedia para ele dizer ao único filho que o amava, Regina chorou. Foram lágrimas de dor e de medo. Mas logo o marido a consolou. O filho, que estava do seu lado, também. Emocionado, Clerisson lembrou-se do exato momento em que reencontrou a mulher, já no hospital: “A gente se abraçou e ela me disse que só tinha a agradecer a Deus. E que ficaria comigo e com o Juan pra sempre, que a gente nunca mais se separaria”.

Agora, como ficará 30 dias afastada do trabalho, Regina e o marido pretendem viajar. “Ela precisa descansar um pouco. E só saindo um pouco daqui vai conseguir”, diz Clerisson, preocupado. Na volta, a caixa não retornará à farmácia. Deverá trabalhar em outro estabelecimento da mesma rede. O marido, confiante, acredita que a mulher vai ficar bem. “Ela tem muita fé em Deus e vai conseguir se recuperar.” Regina o abraça mais uma vez e silencia. Na manhã de quarta-feira, Regina fez tudo igual como faz há 14 meses. Acordou, tomou café, despediu-se do único filho e saiu para o trabalho. Chegou à farmácia às 7h. Só nunca imaginou que, minutos depois, fosse viver as piores e mais terríveis horas de sua vida. Depois do horror, Regina teve, abruptamente, a certeza da fragilidade da vida. E de como é tênue a linha que a separa da morte. Todos os dias.

CORREIO BRAZILIENSE

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