Na oração, de mãos cruzadas. Foi assim que Regina Chaves, de 26 anos, encontrou força para suportar os mais terríveis momentos de toda a sua vida. Refém de um bandido que a manteve por cinco horas com um revólver apontado para a cabeça, a caixa da farmácia assaltada na manhã de quarta-feira (20/08) falou ao Correio, na manhã dessa quinta-feira (21/08). Frágil, com aparente cansaço, madrugada insone e voz trêmula, Regina contou, como se ainda estivesse anestesiada, vivendo o mesmo pesadelo: “Rezei o tempo inteiro”.
No meio do pânico, ela ainda teve forças para implorar ao homem que a ameaçava de morte: “Você também tem um filho”. Nesse momento, agitado, Roger do Arte, de 23 anos, foragido da Papuda, a deixou falar com o marido, o office-boy Clerisson Silva, de 36 anos. O marido já sabia do assalto e ligava insistente e desesperadamente para o celular da mulher. Em lágrimas, Regina lhe disse: “Fala pro Juan (o filho de 4 anos do casal) que eu amo ele”. A conversa durou 20 segundos. Na cabeça dela, um revólver calibre .38 pronto para ser disparado a qualquer momento. Um homem alucinado, sob efeito de medicamento, sem medo de perder mais nada, ameaça acabar com tudo. Era matar ou morrer.
Em cinco horas de horror, a maranhense de Dom Pedro viu um filme passar pela sua vida. Pensou no filho, no marido, nas poucas e batalhadas conquistas que havia tido na vida. Na luta que trava todos os dias para ser feliz. No emprego de caixa, até então, a maior vitória financeira que tivera. Regina pensou ainda em tudo que ainda poderia viver. Na manhã de ontem, na companhia do filho e do marido, um outro filme a atormentava. Provavelmente, essas imagens ainda ficarão por muito tempo na sua cabeça. Ou por todo o tempo: “Um filme fica passando pela cabeça da gente. Não consegui descansar nada. Eu tomei um medicamento justamente para dormir e não consegui”, ela disse, amparada pelo pai de seu filho.
No fundo da casa de um irmão, no P Norte, em Ceilândia — construção sem forro no teto, com paredes pintadas em tom pastel e móveis simples —, Regina recebe o aconchego da família. Só conseguiu alimentar-se com um pouco de caldo de carne. Não tem sentido fome. Ora o pensamento se perde. Ora os olhos divagam. No meio da conversa, ela pára de falar. Chora. O tormento ainda ronda a mulher que, ao chegar à farmácia onde trabalha há um ano e dois meses, foi surpreendida por uma violência inominável. Acuada, agredida e refém de um bandido ensandecido. Negociação. Tensão. Desespero. Ela sabia que podia morrer ali mesmo.
“O próximo será em mim”
O assaltante avisou: “Se eu não conseguir o que quero (um carro, colete à prova de balas e proteção pra fugir), faço o que deve ser feito, atiro em você e depois me mato”. Regina sabia que a qualquer momento tudo podia acabar. No auge do desespero, um disparo certeiro de um atirador de elite. O homem que a segurava pelo pescoço cai. Se esvai em sangue. E morre ali, agonizando em si mesmo. “Tive medo de morrer. Quando ouvi o barulho do tiro, pensei que fosse mais uma vez ele (o assaltante) atirando contra a parede. Ele tinha atirado duas vezes na loja. Aí, pensei: O próximo será em mim”, ela conta, com os olhos marejados e as mãos entrelaçadas às do marido. Levada para o Hospital Regional de Ceilândia (HRC), Regina foi medicada. Estava, fisicamente, bem. Pressão arterial normal. Mas os médicos recomendaram que faça um tratamento com psicólogo.
Durante a entrevista, no momento em que se lembrou da rápida conversa que teve com o marido e pedia para ele dizer ao único filho que o amava, Regina chorou. Foram lágrimas de dor e de medo. Mas logo o marido a consolou. O filho, que estava do seu lado, também. Emocionado, Clerisson lembrou-se do exato momento em que reencontrou a mulher, já no hospital: “A gente se abraçou e ela me disse que só tinha a agradecer a Deus. E que ficaria comigo e com o Juan pra sempre, que a gente nunca mais se separaria”.
Agora, como ficará 30 dias afastada do trabalho, Regina e o marido pretendem viajar. “Ela precisa descansar um pouco. E só saindo um pouco daqui vai conseguir”, diz Clerisson, preocupado. Na volta, a caixa não retornará à farmácia. Deverá trabalhar em outro estabelecimento da mesma rede. O marido, confiante, acredita que a mulher vai ficar bem. “Ela tem muita fé em Deus e vai conseguir se recuperar.” Regina o abraça mais uma vez e silencia. Na manhã de quarta-feira, Regina fez tudo igual como faz há 14 meses. Acordou, tomou café, despediu-se do único filho e saiu para o trabalho. Chegou à farmácia às 7h. Só nunca imaginou que, minutos depois, fosse viver as piores e mais terríveis horas de sua vida. Depois do horror, Regina teve, abruptamente, a certeza da fragilidade da vida. E de como é tênue a linha que a separa da morte. Todos os dias.
CORREIO BRAZILIENSE
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