domingo, 10 de agosto de 2008

Opinião: caldo de defunto

Um dos grandes desafios para qualquer cidadão é tentar entender o que se passa na cabeça dos administradores públicos no momento em que tomam certas decisões. A idéia de se construir um cemitério ao lado do Setor de Indústrias de Ceilândia, às margens da BR 070, por exemplo, é um desses casos.

Diante do inchaço populacional pelo qual vem passando o DF, ninguém questiona a necessidade de se construírem novos cemitérios, já que os seis existentes encontram-se próximos do limite de sua capacidade. Mas sua localização é assunto sério demais para ser decidido sem uma discussão mais aprofundada.

Segundo os especialistas, o cadáver de um adulto, pesando em média 70 quilos, produz cerca de 30 litros de necrochorume em seu processo de decomposição. O necrochorume é um líquido composto por 60% de água, 30% de sais minerais e 10% de substâncias orgânicas, entre as quais algumas bastante tóxicas, como a putrefina e a cadaverina: é um meio ideal para a proliferação de microorganismos responsáveis pela transmissão de doenças infecto-cotagiosas, entre elas a hepatite e a poliomielite. Esses microorganismos podem proliferar num raio superior a 400 metros do cemitério. Podem contaminar os lençóis freáticos (depósitos de água subterrâneos), e também rios e nascentes em seus arredores. Além do necrochorume, outras fontes de contaminação são as substâncias que fazem parte da composição dos caixões, como vernizes, colas, tintas e metais pesados que são utilizados nas alças.

O cemitério que o GDF planeja construir em Ceilândia ocupará 30 hectares de uma área próxima a declives, e a pouquíssima distância das nascentes de vários córregos, sendo que alguns deles desaguam na barragem do Descoberto, a apenas 6 km do local. A barragem é responsável pelo abastecimento de água de 60% do DF. Na região há ainda diversas chácaras abastecidas por poços artesianos.

Segundo os estudos técnicos conduzidos pela Terracap, empresa responsável pelo assunto, tudo parece estar na mais perfeita ordem. Pode até ser, já que atualmente existem tecnologias de impermeabilização que permitem diminuir a possibilidade de contaminação ambiental. Existe até a alternativa de se construir um cemitério vertical, cujo impacto também seria mais reduzido.

Mas todos sabem que as obras públicas no Brasil não são exatamente um primor de qualidade. E ninguém desconhece os problemas recentes que mostraram que os cemitérios do DF podem ser tudo, menos bem cuidados. Daí que, mesmo que os estudos da Terracap estejam corretos quanto ao baixo risco de contaminação dos lençóis freáticos, resta o risco de enxurradas produzidas por chuvas muito fortes. Se combinadas com túmulos mal vedados e impermeabilizados, é o que basta para os córregos da região e a própria barragem serem afetados. E um belo dia a população do DF amanhecer bebendo caldo de defunto pensando que é água.



Não deixe de ver o mapa da área em questão clicando no link do site.

Fonte: Ceilândia.com

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