segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

"Pontos Quentes"

Eles tudo vêem e tudo ouvem. Sabem como ninguém como o tráfico se organiza e atua. São capazes de apontar um a um quem é o aviãozinho — aquele que leva e traz a droga —, o vendedor (encarregado de atender os clientes) e o dono da “boca”, o chefe do tráfico. Conhecem os que sentenciam à morte quem ameaça os interesses do submundo do crime. Ou quem mata por causa de um simples esbarrão ou numa briga de bar. Eles vivem duas realidades. Essa é uma. A outra é a do silêncio, do medo, da impotência, da desesperança e da descrença na polícia. Eles são os moradores dos “pontos quentes”, lugares onde mais se registraram boletins de ocorrência de homicídios no Distrito Federal no primeiro semestre deste ano.

Esta semana, o Correio percorreu cinco dos endereços listados pela Polícia Civil do DF como “pontos quentes”. Eles estão no Relatório de Análise Criminal: Homicídios. De forma geral, são localidades com pouca ou nenhuma infra-estrutura. A Região Administrativa de Planaltina tem quatro dos lugares considerados críticos. No entanto, o setor de chácaras de Ceilândia - atuais condomínios (principalmente o setor habitacional Sol Nascente) - é a região com o maior número de registros absolutos.

Os caminhos que levam aos pontos quentes geralmente são vielas lamacentas e becos sem saída. O entulho da construção civil é a pavimentação possível para tapar as valas abertas pela enxurrada. O lazer? “A diversão aqui é buscar marido no boteco e assistir aos ‘fight’ no meio da rua. E olha que isso aqui é animado viu!”, afirmou uma dona-de-casa de 28 anos, mãe de três filhos. Ela conta que os assassinatos são mais freqüentes nos fins de semana.

Famílias inteiras adaptam o dia-a-dia à essa realidade. Não saem aos sábados e domingo para não terem as casas furtadas. Fingem-se de cegas, surdas e mudas para não contrariar os interesses do tráfico de drogas que, combinado ao consumo excessivo de álcool, estão entre as oito motivações mais freqüentes para tirar a vida alheia no DF. Das 309 ocorrências de homicídio de janeiro a julho, a polícia descobriu as razões para matar em 226. Dessas, a droga aparece em segundo lugar com 43 casos (19%), atrás de motivo fútil, com 73 ocorrências (32,3%). O álcool foi o motivo para 17 das 226 ocorrências.


O que a polícia chama de “pontos quentes”, a pesquisadora Ignez Costa Barbosa define como “territórios da violência”. Locais que, segundo ela, oferecem localização privilegiada para a instalação do crime organizado pela precariedade da estrutura urbana. “Esses lugares são justamente habitados pela população periferizada e segregada, que é mais vulnerável à ação do crime organizado, não tem meios de enfrentá-lo e se submete ao seu poder”, analisou Inez, associada do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais e que tem pós-graduação em Geografia Humana pela Universidade de Paris I.

Ela destaca que o homicídio sempre existiu na sociedade, em todos os tempos, como forma de resolver conflitos entre pessoas: na família, na comunidade e até entre países. Atualmente, no entanto, convive-se com as formas tradicionais de violência e com as novas, decorrentes, inclusive, da ação do crime organizado. “O crime organizado arma os jovens para trabalhar para a organização criminosa e esses armados, podem fazer as disputas pessoais se tornarem homicídios”, afirmou.

Na opinião do professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e integrante do laboratório de análise de violência, Ignácio Cano, o homicídio é um crime difícil de ser prevenido, mas não é impossível. “Geralmente os casos se concentram em área carentes, onde a comunidade tem uma relação difícil com a polícia. Ela tem medo de colaborar. Portanto é necessário investimento no trabalho de investigação e proteção à testemunha”, disse. (AB)




Outros dois locais onde ocorreram homicídios foram a QNN 03 (2) e a EQNN 23/25 (2), ambos em Ceilândia Norte.

Fonte: Correio Braziliense

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