sábado, 7 de junho de 2008

Remoção

A desesperança deu lugar a largos sorrisos: 118 famílias voltaram a acreditar que a miséria não é o único fim reservado a elas. Neste domingo (08/06), pais, mães e filhos chegarão a um lugar com ar puro, espaço e casas com paredes e janelas. Os vizinhos serão apenas vizinhos e não mais cúmplices da rotina entre o lixo, a lama, os bichos e o esgoto a céu aberto. Haverá luz e água. “Haverá vida porque é terrível viver aqui, sem piedade”, resumiu a estudante Liliane Fausto, 20 anos.

Ela, a mãe — a autônoma Gilvani da Silva, 41 — e as outras famílias estão de malas prontas para deixar a invasão da QNR 2, em Ceilândia, rumo a um terreno em Samambaia. Por quase três anos, eles ocuparam barracos feitos com restos de madeiras e montados em uma espécie de curral, uns grudados nos outros. Dentro das “casas”, cabem, no máximo, geladeira, pia e uma cama de solteiro. “Essa é a pior parte de morar aqui: a convivência. Quando eu limpo o esgoto em um dia, no outro alguém já emporcalhou de novo. Não conseguimos dormir com o cheiro”, descreve Liliane. Os moradores da invasão dividem até os banheiros, que, na verdade, são fossas.

A invasão começou na QNR 5 e se estendeu para o centro da quadra. “Não estamos dando habitação. A transferência deles é uma emergência. Eles não moram em barracos e, sim, em bagaços de barraco. E em área pública”, comentou o presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF (Codhab), Luiz Antônio Almeida Reis. “As condições de higiene são as piores, com riscos elevados de hanseníase e de outras doenças, já que vivem colados uns aos outros e junto com animais”, completou.

O terreno em Samambaia, abaixo das quadras 500, foi doado pelo governo local. O espaço comportará 2,3 mil lotes de 105 metros quadrados cada. Ali viverão 1,7 mil famílias retiradas de áreas de risco. O restante do espaço, futuramente, será destinado ao comércio. As 146 famílias removidas da Fercal, as 181 do Parque da Vaquejada e as 24 da Chácara Pantanal também serão instaladas na região. “Durante o mês, à medida que forem demarcados os lotes, elas serão chamadas. Os espaços restantes serão ocupados por outras famílias, ainda a serem definidas”, acrescentou Reis.




Cada grupo, com cerca de quatro pessoas, ficará temporariamente em abrigos feitos de madeirite pelo governo — com área de 15 metros quadrados. Ainda não há previsão de quando a área será asfaltada. Mas, quando chegarem neste domingo, as famílias receberão mil tijolos e 10 sacos de cimento. “Para que eles comecem a construir seus lares”, explicou o administrador de Samambaia, José Luiz Naves. Terão também água e luz: na invasão da QNR, gambiarras permitem que a água escorra por torneiras improvisadas e antenas de TV se equilibram sob os tetos de madeira podre.

Segundo o diretor técnico da Codhab, Otto Ribas, a Secretaria de Educação já está mobilizada para fazer a transferência das crianças para escolas da região. “Ônibus também serão providenciados. Além de cestas básicas e atendimentos de saúde”, garantiu. O lote, no entanto, não poderá ser comercializado. “Quem vender e quem comprar perde o local e não vai ser mais beneficiado por programas sociais”, alertou Reis.

Na última quinta-feira, o Correio esteve no terreno em Samambaia. Técnicos e engenheiros, com máquinas e materiais de construção, demarcavam os primeiros lotes e instalavam as redes de energia elétrica e de abastecimento d’água. “Estamos muitos felizes. Teremos um pedaço de terra para as crianças brincarem com segurança”, disse a dona-de-casa Sandra de Oliveira, 29, há dois anos na invasão da QNR 2. Ela lamenta que, neste período, os filhos, Mateus, 10, e Larissa, 4, viveram trancados no barraco de um cômodo, só saindo para ir à escola. Mateus explica: “A casa é pequena. E lá fora só tem lama e sujeira. Em Samambaia, vou conhecer crianças legais para brincar. A casa vai ter mais espaço e não vou mais dormir em um tapete no chão”.

A comunidade das quadras 500 de Samambaia receberá os novos vizinhos com entusiasmo. “Os lotes vão valorizar porque a cidade vai crescer. Esperamos que bancos, postos policiais e mais escolas venham para cá”, disse a auxiliar de educação Sueli Souza Almeida, 40. Para quem esperou tanto por essa acolhida, a noite de sábado para domingo não será fácil. “Estou ansiosa. Voltamos a sentir esperança”, completou Sandra.


Fonte: Correio Braziliense

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