Ele corre desembestado pelo pátio da casa. Os cabelos castanhos e bem lisos voam. As pernas curtinhas e grossas às vezes se atrapalham. Quando a porta da sala de aula abre, o miudinho corre e entra. Logo se senta num dos tapetes e vai folhear livros com figuras infantis. Interpreta o que vê e começa a contar historinhas mirabolantes que só ele entende. A professora Andréia Faria, 33, escuta com cuidado e atenção. Essa é toda a história de um menino que não tem história. Nada se sabe sobre ele. De onde veio, o que faz, quem são seus pais, irmãos, onde vivia. Ele não tinha nome. E para não ficar sem nome, assim que chegou àquele lugar, chamaram-no de Renato. Portanto, a partir de agora esta será a história de Renato, o menininho que está à procura de si mesmo. E de uma história que seja sua, exclusivamente sua. O Correio conta hoje, com exclusividade, como um menininho sem passado conseguiu encharcar de sonhos e magia aquele lugar onde as crianças que ali vivem chegam com sonhos quase sempre dilacerados.
Há cinco meses, mais precisamente no dia 2 de maio, ele foi encontrado próximo ao Setor de Chácaras do P Norte. Vagava sozinho, de pés descalços e sem roupa. No pé esquerdo, um corte. Os cabelos compridos e desgrenhados. Não havia ninguém perto daquele menino. Ele chorava. Tremia de fome e sede. Aliás, sede e fome eram o que mais sentia. Até mais que medo. Agentes da 19ª Delegacia de Polícia (Ceilândia) foram chamados. Recolheram o menino sem história e sem passado. Levaram-no a um abrigo perto dali. A direção da instituição comunicou imediatamente a chegada dele à Vara da Infância e da Juventude (VIJ).
Sem nome, logo lhe deram um. Chamaram-no de Renato. O menino que aparentava entre 2 e 3 anos de vida ganhou uma identidade. E marcaram com precisão a data da sua chegada: 2 de maio. Foto de Renato foi divulgada no site do S.O.S. Criança, no setor de desaparecidos. Ninguém reclamou sua falta. Não havia queixa em nenhuma delegacia do DF. Não havia ocorrência. E a conclusão: o menino não estava perdido. Havia sido, deliberadamente, abandonado.
Policiais de Ceilândia começaram a investigar a história do menino sem história. Encontraram, no lugar que ele supostamente vivia no Setor de Chácaras do P. Norte, apenas um barraco derrubado. No meio dos restos do que um dia foi uma casa, esquecida no chão, a foto de um homem carregando o menino. Mais nada. Investigações apontam que Renato deve fazer parte de uma família de ciganos. Pelo menos, segundo informações de algumas pessoas que moram na região, ali vivia uma comunidade desse povo. Nômades, armam e desarmam barracos da noite para o dia.
E assim Renato chegou ao abrigo em Ceilândia. Veio tímido, assustado e faminto. “A fome e a sede que ele sentia foi o que mais nos impressionou. Quando acabava a comida do prato, ele chorava muito, gritava, ficava zangado”, conta a assistente social da instituição, Leiliane Morais de Carvalho Rocha, de 24 anos. Aos poucos, ele foi saciando sua fome. E se permitiu rir, como crianças felizes se permitem. Começou a ouvir seu nome e se reconhecer nele. Gostou da sonoridade. Gostou de ser a pessoa que lhe disseram que seria.
...
Quem souber alguma informação sobre prováveis parentes de Renato deve ligar para a Vara da Infância — 3348-6737.
Fonte: Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário