Dona Laurita Pereira dos Santos, de 65 anos, tem na cabeça o receituário completo. Queda de cabelo? Óleo de mamona. Bronquite? É só comer ovo de pata. Inflamação? Faz chá de arnica. Problemas com a digestão? Espinheira-santa. Proprietária de uma das barracas de raízes mais famosas da Feira Permanente de Ceilândia, Laurita garante que nunca comprou remédio em farmácia. Em caso de doença na família, ela recorre às receitas caseiras que a avó passou para a mãe, a mãe passou para ela e ela compartilha com os clientes.
Os raizeiros, como a baiana Laurita, são um dos tesouros culturais encontrados nas feiras do Distrito Federal. A pedido do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), pesquisadores percorreram 10 feiras da cidade. A lista começou na mais antiga - a do Núcleo Bandeirante, e foi até à mais moderna - a dos Importados. “A riqueza cultural desses ambientes é enorme. São lugares que conservam tradições e também as reinventam”, conta a antropóloga Mariza Veloso, professora da Universidade de Brasília (UnB) e uma das autoras do livro ainda inédito Um estudo sobre as feiras permanentes de Brasília.
O interesse do Iphan pelas feiras representa o primeiro passo para que esses espaços sejam reconhecidos como patrimônio imaterial brasileiro. Criada pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), a categoria de patrimônio imaterial protege manifestações culturais ou lugares que são considerados referência para as tradições populares. “As feiras brasilienses são locais únicos, com uma organização social absolutamente singular. Elas merecem o registro de bens imateriais”, opina Mariza Veloso.
Mas o que há de tão especial nas feiras? A resposta inclui a barganha, o fiado, a troca, a prática de “encomendar” e do comerciante tratar o cliente pelo nome. Atitudes como essas estão dentro do que os estudiosos chamam de “cultura de feira”. Angélica Madeira, também autora do livro, chama a atenção para as diferenças entre essa cultura e a “cultura dos shopping centers”. “No mundo contemporâneo, as relações estão cada vez mais despersonalizadas e mercantilizadas. A regra é que o vendedor seja um anônimo para o cliente e vice-versa”, comenta. “No caso das feiras, as relações pessoais são a forma predominante de interação ”, completa Angélica Madeira, também professora do Departamento de Sociologia da UnB.
“Galega, uma cerveja! Galega, me serve um prato de comida! Galega, bota feijão aqui!”O apelido de Evani Bezerra Santos, 43 anos, é das palavras mais pronunciadas na hora do almoço na Feira Permanente de Ceilândia. Os clientes querem a atenção da loira que há 13 anos comanda as panelas de uma das barracas de comida nordestina do lugar. “Parece que só existe eu aqui”, ralha a bem-humorada Evani com os clientes e as cinco funcionárias. Ela considera a simpatia como uma das qualidades que a fazem prosperar no comércio.
O prato cheio que Galega vende a R$ 5 é mais um exemplo de riqueza cultural das feiras que foi anotado pelos pesquisadores. “As barracas mantêm a culinária tradicional, a comida caseira”, afirma Mariza Veloso, da UnB. No cardápio da barraca de Evani entram variedades como a rabada, o mocotó, o sarapatel, a dobradinha, o baião-de-dois e a galinha caipira. “Sou do Rio Grande do Norte, me criei fazendo comida nordestina”, conta ela que veio para o DF aos 3 anos de idade e ainda menina começou a ajudar a mãe a preparar marmitas.
Na Feira de Ceilândia, onde estão Laurita e Galega, a influência nordestina é grande. Já na Feira do Cruzeiro são os cariocas que dominam o cenário. É comum que se formem rodas de samba e pagode no local nas tardes de sábado e domingo. “A particularidade de cada uma das feiras reflete a cultura dos imigrantes do local onde elas existem”, explica Giorge Bessoni, antropólogo do Iphan que ajudou na edição do livro. Giorge faz mistério, mas diz que entre as 10 feiras analisadas, duas foram indicadas para serem registradas como patrimônio imaterial. Freqüentadores e feirantes, façam suas apostas.
Localizada em um dos pontos turísticos obrigatórios do Distrito Federal, a Feira da Torre é um bom exemplo de como as feiras brasilienses evoluíram do improviso para a profissionalização. Em 1971, quando Oswaldo Rodrigues dos Santos Filho (foto no quadro), aos 16 anos, apareceu por lá para mostrar seus colares de miçangas pela primeira vez, havia apenas alguns poucos hippies no local. Em plena ditadura, eles tentavam fazer valer a idéia de sobreviver por meio dos produtos que fabricavam. “Aqui sempre atraiu turista”, conta Oswaldo que hoje tem 54 anos e além de artesão é funcionário do Banco Central.
No princípio, os hippies expunham as peças sobre cangas e lençóis, o que garantia fácil transporte das coisas. Na década de 80, mesinhas de armar de madeira viraram o mostruário-padrão e o número de artesãos aumentou no lugar. A feira estava ganhando fama e, naquela época, Oswaldo já estava vendendo bolsas, sandálias e cintos de couro. Ele lembra que aos fins de semana repetia o cansativo procedimento de descarregar o carro, armar o mostruário, expor as peças e, ao fim do dia, guardar tudo de novo. “Era uma trabalheira. E quando chovia, tínhamos de parar com a feira imediatamente”, conta.
Na década de 90, as barracas de lona começaram a ser usadas, davam maior conforto aos feirantes e clientes, mas não ofereciam segurança para a mercadoria nem resistiam às chuvas e ventanias. Nesse período, Oswaldo continuava vendendo bolsas, mas havia incorporado a lona como matéria-prima. Foi no início dos anos 2000, que a Feira da Torre ganhou a aparência que tem hoje, com cerca de 600 barracas fixas espalhadas pela área.
Fonte: Correio Braziliense e My Blog
Os raizeiros, como a baiana Laurita, são um dos tesouros culturais encontrados nas feiras do Distrito Federal. A pedido do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), pesquisadores percorreram 10 feiras da cidade. A lista começou na mais antiga - a do Núcleo Bandeirante, e foi até à mais moderna - a dos Importados. “A riqueza cultural desses ambientes é enorme. São lugares que conservam tradições e também as reinventam”, conta a antropóloga Mariza Veloso, professora da Universidade de Brasília (UnB) e uma das autoras do livro ainda inédito Um estudo sobre as feiras permanentes de Brasília.
O interesse do Iphan pelas feiras representa o primeiro passo para que esses espaços sejam reconhecidos como patrimônio imaterial brasileiro. Criada pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), a categoria de patrimônio imaterial protege manifestações culturais ou lugares que são considerados referência para as tradições populares. “As feiras brasilienses são locais únicos, com uma organização social absolutamente singular. Elas merecem o registro de bens imateriais”, opina Mariza Veloso.
Mas o que há de tão especial nas feiras? A resposta inclui a barganha, o fiado, a troca, a prática de “encomendar” e do comerciante tratar o cliente pelo nome. Atitudes como essas estão dentro do que os estudiosos chamam de “cultura de feira”. Angélica Madeira, também autora do livro, chama a atenção para as diferenças entre essa cultura e a “cultura dos shopping centers”. “No mundo contemporâneo, as relações estão cada vez mais despersonalizadas e mercantilizadas. A regra é que o vendedor seja um anônimo para o cliente e vice-versa”, comenta. “No caso das feiras, as relações pessoais são a forma predominante de interação ”, completa Angélica Madeira, também professora do Departamento de Sociologia da UnB.
“Galega, uma cerveja! Galega, me serve um prato de comida! Galega, bota feijão aqui!”O apelido de Evani Bezerra Santos, 43 anos, é das palavras mais pronunciadas na hora do almoço na Feira Permanente de Ceilândia. Os clientes querem a atenção da loira que há 13 anos comanda as panelas de uma das barracas de comida nordestina do lugar. “Parece que só existe eu aqui”, ralha a bem-humorada Evani com os clientes e as cinco funcionárias. Ela considera a simpatia como uma das qualidades que a fazem prosperar no comércio.
O prato cheio que Galega vende a R$ 5 é mais um exemplo de riqueza cultural das feiras que foi anotado pelos pesquisadores. “As barracas mantêm a culinária tradicional, a comida caseira”, afirma Mariza Veloso, da UnB. No cardápio da barraca de Evani entram variedades como a rabada, o mocotó, o sarapatel, a dobradinha, o baião-de-dois e a galinha caipira. “Sou do Rio Grande do Norte, me criei fazendo comida nordestina”, conta ela que veio para o DF aos 3 anos de idade e ainda menina começou a ajudar a mãe a preparar marmitas.
Na Feira de Ceilândia, onde estão Laurita e Galega, a influência nordestina é grande. Já na Feira do Cruzeiro são os cariocas que dominam o cenário. É comum que se formem rodas de samba e pagode no local nas tardes de sábado e domingo. “A particularidade de cada uma das feiras reflete a cultura dos imigrantes do local onde elas existem”, explica Giorge Bessoni, antropólogo do Iphan que ajudou na edição do livro. Giorge faz mistério, mas diz que entre as 10 feiras analisadas, duas foram indicadas para serem registradas como patrimônio imaterial. Freqüentadores e feirantes, façam suas apostas.
Localizada em um dos pontos turísticos obrigatórios do Distrito Federal, a Feira da Torre é um bom exemplo de como as feiras brasilienses evoluíram do improviso para a profissionalização. Em 1971, quando Oswaldo Rodrigues dos Santos Filho (foto no quadro), aos 16 anos, apareceu por lá para mostrar seus colares de miçangas pela primeira vez, havia apenas alguns poucos hippies no local. Em plena ditadura, eles tentavam fazer valer a idéia de sobreviver por meio dos produtos que fabricavam. “Aqui sempre atraiu turista”, conta Oswaldo que hoje tem 54 anos e além de artesão é funcionário do Banco Central.
No princípio, os hippies expunham as peças sobre cangas e lençóis, o que garantia fácil transporte das coisas. Na década de 80, mesinhas de armar de madeira viraram o mostruário-padrão e o número de artesãos aumentou no lugar. A feira estava ganhando fama e, naquela época, Oswaldo já estava vendendo bolsas, sandálias e cintos de couro. Ele lembra que aos fins de semana repetia o cansativo procedimento de descarregar o carro, armar o mostruário, expor as peças e, ao fim do dia, guardar tudo de novo. “Era uma trabalheira. E quando chovia, tínhamos de parar com a feira imediatamente”, conta.
Na década de 90, as barracas de lona começaram a ser usadas, davam maior conforto aos feirantes e clientes, mas não ofereciam segurança para a mercadoria nem resistiam às chuvas e ventanias. Nesse período, Oswaldo continuava vendendo bolsas, mas havia incorporado a lona como matéria-prima. Foi no início dos anos 2000, que a Feira da Torre ganhou a aparência que tem hoje, com cerca de 600 barracas fixas espalhadas pela área.
Fonte: Correio Braziliense e My Blog
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