segunda-feira, 27 de julho de 2009

Histórias do futebol

O nervosismo era evidente. Desde a torcida, que lotou a beira do campo de terra na Praça dos Eucaliptos, em Ceilândia, até os dirigentes, que tremiam antes de a partida começar. Tudo porque era a primeira vez que, em quase 30 anos de existência, o Madureira, time da parte sul da cidade, chegava à decisão da categoria principal do torneio de futebol amador.

O time, que completa suas três décadas em 9 de setembro, teve a segunda melhor campanha na fase classificatória da competição, organizada pela Liga Esportiva das Categorias Independentes (Lecic). Por isso, garantiu o direito de jogar por dois empates ou uma vitória e uma derrota pelo mesmo placar. Com a primeira partida terminando em 1 x 1, outro empate seria suficiente para dar o título inédito à equipe verde, vermelha e branca.

Ciente da desvantagem, o técnico do 26 (atual campeão), Ari de Almeida, cogitou escalar o time com formação diferente da usual, jogando com três zagueiros. Desistiu momentos antes do início e foi para campo com o tradicional 4-4-2. Dentro de campo, os jogadores do Madureira fizeram o que era de se esperar: uma forte retranca que não abria nem para tentar o contra-ataque.

Com o meio de campo embolado, os jogadores do 26 perdiam a paciência e as melhores jogadas. Iam avançando paulatinamente, de bola parada em bola parada. O tempo passava e a urgência de abrir o placar aumentava. Já nos acréscimos, um golpe mortal. Numa das raras subidas do Madureira ao ataque, Thiaguinho, em dia inspirado, abriu o placar e aumentou a vantagem.

No intervalo, uma comemoração tímida da torcida do Madureira já se ouvia. “Sou flamenguista, mas só fiquei assim com o Madureira. Tenho 49 anos e já são 30 aqui”, esbravejava o diretor das categorias de base do clube, Nildo Arcanjo, emocionado.

Alcides Santana da Silva, de 50 anos, um dos fundadores e dono da carteirinha número 4 do clube, foi além: “Devolvemos a tristeza que nos fizeram passar numa semifinal 20 anos atrás. Poderia morrer hoje que ia feliz”, desabafou o torcedor do Fluminense. No fim, o jogo acabou empatado em 2 a 2.


As lutas de um jovem jogador em São Paulo

A dor foi horrível e o choro, inevitável. Triste, o brasiliense Matheus Nolasco de Oliveira Silva chorou de novo quando soube que estava fora do próximo jogo pelo Campeonato Paulista infantil. Acabou ficando cinco meses no estaleiro.

Numa disputa normal de bola com o goleiro, Matheus pisou errado e o estrago foi imediato. “Na queda, o corpo foi para um lado, mas a garra da chuteira (do pé direito) ficou presa na grama e eu senti um estalo e muita dor”, conta o brasiliense de apenas 14 anos. Agora, já sem traumas, ficou na sua lembrança aquele treino trágico de uma quinta-feira, 22 de maio de 2008, no CT Meninos da Vila, escolinha do Santos Futebol Clube, do craques Pelé e Coutinho, e os mais recentes Robinho e Neymar.

Dos primeiros socorros à mesa de cirurgia, dois meses depois do acidente em campo, Matheus recebeu uma placa de platina, fixada com quatro pinos, para corrigir as fraturas da tíbia e fíbula da perna direita. Hoje, ele exibe as cicatrizes, pouco acima do tornezelo, como uma espécie de troféu. Mas um prêmio para ser esquecido. Aos 14 anos, candidato a craque, Matheus enfrenta estágios próprios de quem já é profissional.

Saído dos empoeirados campos de peladas da Ceilândia, onde o futebol era praticado de forma lúdica, Matheus foi aprovado numa peneira do Santos, no início de 2007. Assim, aos 12 anos, o garoto esguio de 1,72m e 54kg se afastou prematuramente da família para iniciar carreira e tentar vaga no valorizado mercado do futebol profissional.

Já adaptado à rotina de estudos (8ª série) pela manhã, treinos à tarde e jogos nos fins de semana, o atacante enfrentou, um ano depois de ter chegado à Vila Belmiro, um drama que normalmente ocorre com quem já é titular: as graves contusões.

“O médico (Gustavo Guedin) nos alertou que Matheus poderia ficar inutilizado para o futebol”, recorda Luiz Alberto, o Betinho, pai de jogador. “Fiz a minha parte. Ele é uma criança em fase de crescimento e os ossos são importantes na fase de desenvolvimento”, foram as palavras do doutor Gustavo à época, preparando a todos para a pior notícia, a inatividade para o futebol. “Só o tempo mostrará se ele está recuperado e se não ocorrerá rejeição ao material implantado”, ouviu Betinho. Palavras que aterrorizaram a família do jovem brasiliense, mas que, felizmente, não se confirmaram.




O tempo passou. Ao lado da mãe, Lucimar, desde o dia seguinte à lesão, Matheus enfrentou todas as fases exigidas. Com apoio de psicóloga, oferecida pelo clube,passou por fisioterapia e revisões médicas. Aos poucos, retomou os exercícios físicos, depois com bola e, finalmente, os treinos coletivos com os colegas, quatro meses depois de seu afastamento dos campos.

“Não ficaram sequelas”, comemora Lucimar. “Foi uma lesão grave, mas está superada. Matheus treina normalmente”, comenta Igor Nunes, um dos dirigentes do Santos que tem contato direto com a garotada das categorias de base. “Nunca pensei na gravidade. Sempre acreditei que sairia bem dessa”, comemora hoje Matheus, de férias em Brasília e levantando poeira no campo improvisado de Ceilândia, num reencontro com os amigos.




Por trás dessa agitada formação de Matheus Nolasco estão duas instituições fortes: a família e a estrutura do Santos Futebol Clube. “Enfrentamos o período da cirurgia com muita oração”, revela o pai, Luiz Alberto, o Betinho. Com a mulher, Lucimar, e junto dos avós, eles não escondem a fé cristã para ajudar a suportar os momentos difíceis dessa separação do filho.

Mas Betinho esperava por isso. Ele observou o talento do filho muito cedo, quando ainda era peladeiro do Nosso Esporte Clube, time da QNM 20, da Ceilândia. A agremiação, voltada para os garotos da região, sobrevive com apoio do comércio da comunidade e amigos, como Eliemerson Alves de Brito, um dos técnicos, e Genival Vitorino da Silva, “que dá a maior força”, garante Betinho.

“Foi daqui, deste campo empoeirado, que Matheus saiu para o Santos. Hoje, ele joga num excelente gramado, tem vestiário confortável e estrutura de jogador profissional”, orgulha-se Eliemerson. Já na escolinha Meninos da Vila, onde o brasiliense deverá chegar a juvenil em 2010, as regras também são duras. Inclusive na alimentação, controlada por nutricionista. “Chocolate, refrigerantes, batatas fritas e lanches, nem pensar”, diz o jovem talento, resignado.

Garoto de poucas palavras quando saiu de Brasília, Matheus está hoje mais à vontade para conversar. A mudança para São Paulo, a convivência num grande clube e até a paciência para superar a contusão teriam o ajudado a amadurecer? “Acho que sim. Foi tudo muito difícil”, resume ele.

As palavras de Igor Nunes, dirigente das categorias de base do Santos FC, não deixam dúvidas das qualidades do jovem atacante candango e de aonde ele pode chegar. “Matheus tem potencial. A lesão que enfrentou foi grave, mas já superou. A vantagem é que, além de ser bom tecnicamente, ele tem um excelente biotipo para atacante e um carisma impressionante”, sentenciou Igor.



Fonte: Correio Braziliense

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