Se Sucupira, a cidade imaginária do autor Dias Gomes criada para ambientar a novela O Bem Amado, existisse, provavelmente Ceilândia seria a cópia dela. Existem histórias que, de tão sensacionais, só poderiam ser vividas ali mesmo. E por quê? Porque lá, por uma magia que antropólogos e sociólogos (e todos os ólogos) tentam decifrar nos estudos acadêmicos, as pessoas reinventam suas vidas de uma forma fantástica. Reinventando a vida, recriam-se. É como se renascessem todos os dias. Nezinho do Jegue — (“Morra, Odorico!”, quem não se lembra do bordão?), personagem que queria levar seu burrinho de presente para o papa — teria inveja do bravo Valmir Souza Braga, dono da impagável cabrita Drica, lá de Ceilândia Norte.
Valmir, ao contrário de Nezinho do Jegue, é real. Baiano de Jequié, casado com Iracema, pai de dois filhos (“a menina faz faculdade de direito, e o menino termina o segundo grau”, explica, orgulhoso), torcedor doente do Vitória, bombeiro hidráulico autodidata, filho de um pedreiro e de uma mulher que fazia vassouras tem uma história é espetacular. E ele é originalíssimo. Como toda boa história, tem que começar do começo. Era uma vez uma dogue alemã de nome Crioula. Foi dada de presente para o bom Valmir “A bichinha era tão pequena que veio numa caixa de sapato”, lembra o dono.
Crioula se achegou àquela família como se fosse um deles. Saiu de Samambaia para fazer a festa dos Bragas, em Ceilândia. “Nunca tinha tido um cachorro antes. Ela veio pra cá e conquistou todo mundo”, ele conta. A cadela cresceu. O tempo passou. Crioula completou 10 anos. Ficou tão integrada com a família que parecia entender até mesmo quando um deles estava triste. Entristecia-se também. “Ela conhecia até meus pensamentos”, diz Valmir.
A dog alemã virou o terceiro filho. Iracema, a mulher de Valmir, confirma o xodó pela cadela. Há quatro meses, porém, Crioula começou a ficar cansada. “A bichinha ficou triste demais, sem vontade de comer”, ele conta. O quadro de apatia só piorava. Seria coisa da idade? Seria tristeza? “Só sei que, em três dias, ela piorou de vez e morreu”, desola-se o baiano. Alguns anos antes de Crioula morrer, Valmir encontrou um filhote de poodle, choramigando numa parada de ônibus de Ceilândia. Rodou com ele para procurar alguma referência. Nada.
Valmir não hesitou. Levou o cachorrinho pra casa, que logo recebeu um nome: Duque. Lá, Duque e Crioula logo ficaram amigos. A filha de Valmir, ainda uma criança, afeiçoou-se ao animal imediatamente. A família estava completa. Foram assim os últimos anos, até a morte da fêmea de dog alemão. “Fiquei doente, de tanta tristeza, com a partida da Crioula”, revela.
Em depressão, Valmir jurou que nunca mais teria outro cachorro em casa. “É muito sofrimento pra pessoa quando o bicho morre”, constata. Ainda muito abalado, ele ligou para um irmão, em Barreiras, na Bahia. “Arrume um bode pra eu criar”, pediu. Do outro lado da linha, o irmão disse que iria a uma roça ali perto para ver se conseguia. E assim o fez. Comprou uma cabritinha recém-nascida (dois meses e 15 dias) por R$ 50 e trouxe de carro para o mano. A cabrita baiana, toda rajadinha de branco, preto e marrom (um pitéu!), veio no porta-mala. “Sempre procurei ser uma pessoa diferente. Lembro que meu primeiro animal de estimação foi uma leitoa que minha avó me deu de presente”, revela.
A cabrita veio para espantar a tristeza de Valmir, enlutado com a morte de Crioula. Nem dormia. Mas a nova moradora havia chegado. Era momento de escolher um nome para o animal. O irmão o aconselhou a chamar de Adriane Galisteu. Iracema chiou. Bateu pé: “Minha gente, é um nome muito comprido pra colocar numa cabritinha”. Mas veio o consenso da família. E a cabrita foi chamada carinhosamente de Drica.
Drica olhou para Valmir com ternura, ao ouvi-lo chamando por ela. “Ela me fez sorrir, me deu alegria”, reflete. Duque, o poodle, não gostou do paparico de Valmir pela cabritinha recém-nascida. “Um dia, o portão tava aberto e ele saiu, como sempre fez. Só que, nesse dia, ele nunca mais voltou. Andamos atrás dele em todos os lugares. Eu tenho pra mim que ele foi embora por causa do ciúme que sentiu da Drica”, explica Valmir, ainda mortificado.
Sem Crioula e Duque, só restou Drica. E cabe a ela, agora, dar alegria àquela família. Cada dia, Valmir se apega mais a sua cabritinha. Faz dela sua companheira para todas as horas. Os passeios são diários. A vizinhança fica de cabelo em pé. “O pessoal acha estranho o meu amor por ela. Quando eu passo na rua, o povo pergunta se é um cachorro de chifre ou então quer saber que animal é esse. Criança de cidade não conhece uma cabrita”.
Drica, toda baiana, taurina (nasceu no fim de abril) e serelepe, veio para fazer sucesso. Ao ser reconhecida, os mais idosos, sem vergonha de voltar no tempo, imitam o som da cabritinha. “As velhinhas me param pra contar lembranças da infância numa fazenda, numa roça, e os velhinhos dizem bééééeéé!. É inacreditável o que ouço na rua”, comemora Valmir.
E Drica parece gostar. Faz chamego em Valmir. Quando cansada, enrosca-se nas pernas dele pedindo colo. Nos braços do dono, encosta a cabeça no ombro dele. Derrete-se toda. “Tô desconfiado que qualquer dia ela vai falar”, ele aposta, falando sério. Falar? “É, quando eu converso com ela, a Drica não faz o som de cabrita (imita o bééééeéé). Ela parece dizer alguma palavra.” Dá-lhe, Drica! Bater perna é com ela mesma. “Ela gosta mesmo é de ser penteada. Sabe que é hora de ir pra rua. Aí, fica doida no portão. Se eu vou e não a levo, ela não berra, como faz toda cabritinha. Ela chora. Uma vizinha até me perguntou se a gente tava com bebê novo em casa”, ri Valmir, o pai postiço da cabrita mais famosa de Ceilândia.
...
E assim, com sua cabritinha de estimação, Valmir tem seguido seus dias. Tem superado a perda de Crioula. “Podem me chamar de Zé do Bode, de maluco, do que for. O legal da vida é ser diferente. A Drica me ensinou isso. Me ensinou também o valor da amizade, do companheirismo e da sensibilidade. Ela me tirou da depressão.” Drica faz cara de quem entende. Dá uma berradinha. Valmir jura que ela está quase falando. A cabrita enrosca a cabeça no ombro do seu dono e descansa, faceira. Ela sabe como ganhar mais leitinho na mamadeira. Drica é um fenômeno. E Valmir, uma figura excepcional. Essa história se passa em Ceilândia, onde a vida é mais real do que em qualquer outro ponto do Plano Piloto.
Para ler a reportagem na íntegra, visite o site da fonte.
Fonte: Correio Brasiliense
Valmir, ao contrário de Nezinho do Jegue, é real. Baiano de Jequié, casado com Iracema, pai de dois filhos (“a menina faz faculdade de direito, e o menino termina o segundo grau”, explica, orgulhoso), torcedor doente do Vitória, bombeiro hidráulico autodidata, filho de um pedreiro e de uma mulher que fazia vassouras tem uma história é espetacular. E ele é originalíssimo. Como toda boa história, tem que começar do começo. Era uma vez uma dogue alemã de nome Crioula. Foi dada de presente para o bom Valmir “A bichinha era tão pequena que veio numa caixa de sapato”, lembra o dono.
Crioula se achegou àquela família como se fosse um deles. Saiu de Samambaia para fazer a festa dos Bragas, em Ceilândia. “Nunca tinha tido um cachorro antes. Ela veio pra cá e conquistou todo mundo”, ele conta. A cadela cresceu. O tempo passou. Crioula completou 10 anos. Ficou tão integrada com a família que parecia entender até mesmo quando um deles estava triste. Entristecia-se também. “Ela conhecia até meus pensamentos”, diz Valmir.
A dog alemã virou o terceiro filho. Iracema, a mulher de Valmir, confirma o xodó pela cadela. Há quatro meses, porém, Crioula começou a ficar cansada. “A bichinha ficou triste demais, sem vontade de comer”, ele conta. O quadro de apatia só piorava. Seria coisa da idade? Seria tristeza? “Só sei que, em três dias, ela piorou de vez e morreu”, desola-se o baiano. Alguns anos antes de Crioula morrer, Valmir encontrou um filhote de poodle, choramigando numa parada de ônibus de Ceilândia. Rodou com ele para procurar alguma referência. Nada.
Valmir não hesitou. Levou o cachorrinho pra casa, que logo recebeu um nome: Duque. Lá, Duque e Crioula logo ficaram amigos. A filha de Valmir, ainda uma criança, afeiçoou-se ao animal imediatamente. A família estava completa. Foram assim os últimos anos, até a morte da fêmea de dog alemão. “Fiquei doente, de tanta tristeza, com a partida da Crioula”, revela.
Em depressão, Valmir jurou que nunca mais teria outro cachorro em casa. “É muito sofrimento pra pessoa quando o bicho morre”, constata. Ainda muito abalado, ele ligou para um irmão, em Barreiras, na Bahia. “Arrume um bode pra eu criar”, pediu. Do outro lado da linha, o irmão disse que iria a uma roça ali perto para ver se conseguia. E assim o fez. Comprou uma cabritinha recém-nascida (dois meses e 15 dias) por R$ 50 e trouxe de carro para o mano. A cabrita baiana, toda rajadinha de branco, preto e marrom (um pitéu!), veio no porta-mala. “Sempre procurei ser uma pessoa diferente. Lembro que meu primeiro animal de estimação foi uma leitoa que minha avó me deu de presente”, revela.
A cabrita veio para espantar a tristeza de Valmir, enlutado com a morte de Crioula. Nem dormia. Mas a nova moradora havia chegado. Era momento de escolher um nome para o animal. O irmão o aconselhou a chamar de Adriane Galisteu. Iracema chiou. Bateu pé: “Minha gente, é um nome muito comprido pra colocar numa cabritinha”. Mas veio o consenso da família. E a cabrita foi chamada carinhosamente de Drica.
Drica olhou para Valmir com ternura, ao ouvi-lo chamando por ela. “Ela me fez sorrir, me deu alegria”, reflete. Duque, o poodle, não gostou do paparico de Valmir pela cabritinha recém-nascida. “Um dia, o portão tava aberto e ele saiu, como sempre fez. Só que, nesse dia, ele nunca mais voltou. Andamos atrás dele em todos os lugares. Eu tenho pra mim que ele foi embora por causa do ciúme que sentiu da Drica”, explica Valmir, ainda mortificado.
Sem Crioula e Duque, só restou Drica. E cabe a ela, agora, dar alegria àquela família. Cada dia, Valmir se apega mais a sua cabritinha. Faz dela sua companheira para todas as horas. Os passeios são diários. A vizinhança fica de cabelo em pé. “O pessoal acha estranho o meu amor por ela. Quando eu passo na rua, o povo pergunta se é um cachorro de chifre ou então quer saber que animal é esse. Criança de cidade não conhece uma cabrita”.
Drica, toda baiana, taurina (nasceu no fim de abril) e serelepe, veio para fazer sucesso. Ao ser reconhecida, os mais idosos, sem vergonha de voltar no tempo, imitam o som da cabritinha. “As velhinhas me param pra contar lembranças da infância numa fazenda, numa roça, e os velhinhos dizem bééééeéé!. É inacreditável o que ouço na rua”, comemora Valmir.
E Drica parece gostar. Faz chamego em Valmir. Quando cansada, enrosca-se nas pernas dele pedindo colo. Nos braços do dono, encosta a cabeça no ombro dele. Derrete-se toda. “Tô desconfiado que qualquer dia ela vai falar”, ele aposta, falando sério. Falar? “É, quando eu converso com ela, a Drica não faz o som de cabrita (imita o bééééeéé). Ela parece dizer alguma palavra.” Dá-lhe, Drica! Bater perna é com ela mesma. “Ela gosta mesmo é de ser penteada. Sabe que é hora de ir pra rua. Aí, fica doida no portão. Se eu vou e não a levo, ela não berra, como faz toda cabritinha. Ela chora. Uma vizinha até me perguntou se a gente tava com bebê novo em casa”, ri Valmir, o pai postiço da cabrita mais famosa de Ceilândia.
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E assim, com sua cabritinha de estimação, Valmir tem seguido seus dias. Tem superado a perda de Crioula. “Podem me chamar de Zé do Bode, de maluco, do que for. O legal da vida é ser diferente. A Drica me ensinou isso. Me ensinou também o valor da amizade, do companheirismo e da sensibilidade. Ela me tirou da depressão.” Drica faz cara de quem entende. Dá uma berradinha. Valmir jura que ela está quase falando. A cabrita enrosca a cabeça no ombro do seu dono e descansa, faceira. Ela sabe como ganhar mais leitinho na mamadeira. Drica é um fenômeno. E Valmir, uma figura excepcional. Essa história se passa em Ceilândia, onde a vida é mais real do que em qualquer outro ponto do Plano Piloto.
Para ler a reportagem na íntegra, visite o site da fonte.
Fonte: Correio Brasiliense
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