quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O grito da judoca

Primeira brasileira a conquistar uma medalha olímpica em esportes individuais, a judoca Ketleyn Quadros está desenganada. Ela acreditava que a medalha de bronze conquistada em Pequim, há menos de quatro meses, faria sua vida mudar para melhor. Mas não foi isso o que não aconteceu.

Assim que chegou da China, ainda em agosto, a brasiliense apresentou propostas de patrocínio a 40 empresas de Belo Horizonte, onde mora desde 2006. Ouviu 40 "nãos" como resposta. Cada um à sua maneira. "Algumas empresas disseram que era por causa da crise nos Estados Unidos, outras falaram que já tinham fechado o orçamento para 2009, ou que faltava verba para o final deste ano". "Sinceramente, não sei mais o que um atleta precisa fazer para conseguir apoio financeiro no Brasil."

Ketleyn sobrevive com R$ 1,2 mil mensais, a ajuda de custo que recebe de seu clube, o Minas Tênis Clube, de Belo Horizonte. Isso a impede de ser contemplada pelo Bolsa-Atleta, programa do governo federal para atletas sem patrocínio. A agremiação mineira ainda oferece alojamento, alimentação, curso superior e passagens para competições no Brasil.

"Muita coisa mudou para mim depois da Olimpíada. O assédio das pessoas nas ruas, a mídia fica toda em cima... Só não teve diferença em termos financeiros", lamenta. "Fiz o meu papel. Fui lá e ganhei uma medalha. Agora estou até um pouco descrente."

Dinheiro sempre foi problema sério na carreira de Ketleyn, de 21 anos. Ela não tinha patrocínio quando competia em Ceilândia, cidade-satélite das mais pobres do Distrito Federal. Ainda assim, a judoca conseguiu uma seqüência de resultados expressivos nas categorias de base e foi isso que a levou ao Minas, em 2006.

Para trocar de federação, a mãe teria de pagar R$ 1,5 mil. Só conseguiu depois de fazer uma rifa entre amigos. Os mesmos que ajudaram Rosemary, mãe da judoca, a angariar R$ 6,3 mil para viajar à China e ver a filha competindo. Na porta do ginásio da Universidade de Ciência e Tecnologia de Pequim, onde ocorreram as disputas do judô, ela perambulou com um cartaz escrito em mandarim pedindo ingresso para acompanhar a trajetória de Ketleyn das arquibancadas. Conseguiu após dois dias de tentativas.

No judô brasileiro de alto nível, contudo, falta de patrocínio parece ser um problema apenas de Ketleyn. Os dois judocas brasileiros que subiram ao pódio em Pequim não têm do que reclamar. Leandro Guilheiro, bronze em Atenas/2004 e Pequim/2008, e Tiago Camilo, prata em Sydney/2000 e bronze em Pequim/2008, integram o tradicional Clube Pinheiros e fazem parte da equipe Gol Esportes, bancada pela empresa aérea.


Fonte: Gazeta do Povo e Correio Braziliense de 27/11/08

Nenhum comentário: