domingo, 30 de agosto de 2009

Festa no Pôr do Sol

Resistência e fé parecem mover os moradores do Condomínio Pôr-do-Sol, em Ceilândia, próximo ao Setor P Sul. Nove anos após o surgimento dos primeiros 300 barracos de lona, hoje o lugar exibe a alvenaria de 2.192 casas, boa parte delas bem construída e de cômodos espaçosos. Para comemorar essa história, parte desses moradores participaram ontem da comemoração dos nove anos do condomínio. A festa foi promovida pela Administração Regional e teve o apoio do Serviço Social do Comércio (Sesc). Brincadeiras para crianças, shows, oferta de serviços médicos e cursos, além da distribuição de lanches, atraíram uma pequena multidão próximo ao recém-inaugurado posto policial, primeira conquista de um povo que começa a flertar com a cidadania e um lugar melhor ao sol.

Na definição de Francisca Ambrósio Nascimento, dona Chica, prefeita do condomínio, a comemoração de ontem celebrou a realização de um sonho. “Eu não acreditava que as pessoas conseguiriam se fixar aqui, porque era só construir os barracos e vinham as derrubadas. Foram inúmeras derrubadas”, relata. Ela sabe do que está falando. Desde 2001, ela vem sendo reconduzida ao cargo de prefeita em razão do trabalho que faz pelo lugar. “Hoje temos mais casas boas do que ruins aqui”, define dona Chica, que é festejada por políticos e a maioria dos 10 mil moradores do condomínio.

A artesã Nerimar Oliveira, 40 anos, tem muitas boas histórias para contar do Pôr-do-Sol, embora more no local há apenas dois anos. Mãe de três garotas e grávida de sete meses — bebê cujo sexo ainda desconhece —, Nerimar mudou-se para a casa de três quartos da irmã, cunhado e dois sobrinhos para começar uma nova vida depois de se separar do marido. “Ainda moro com minha irmã, mas pretendo ter a minha própria casa aqui”, diz. Por que no Pôr-do-Sol? “Porque aqui as pessoas são como uma família. Aqui todo mundo se ajuda”, explica. Nerimar vende no próprio condomínio o artesanato que produz em toalhas de cozinha e jogos americanos. “Nem preciso sair daqui”, conta.

Pessoas como a Nerimar chegam ao Pôr-do-Sol a todo momento. Adriana Gomes, 31 anos, chegou há seis meses. Ela mudou-se com os dois filhos pequenos e marido desempregado. Ontem, apareceu nas comemorações do aniversário do condomínio para os filhos comerem cachorro-quente e brincar um pouco. “Eles — Leandro de 5 anos e Lucas, de 2 — não saem para se divertir”, disse Adriana. O passeio também poupou o almoço de sábado. “Agora, é só a janta”, disse, satisfeita por economizar uma refeição. As dificuldades enfrentadas por Adriana e família, segundo o administrador regional Leonardo Moraes, ainda são o retrato da dura realidade do Pôr-do-Sol.

Segundo ele, a maioria da população do condomínio, cerca de 10 mil pessoas, é formada por pessoas necessitadas dos mais básicos serviços sociais. No lugar não há asfalto nem esgoto(1), e a rede escolar ainda é bastante incipiente — a única Escola Classe, com capacidade para 2,4 mil crianças — acabou de ser instalada, mas não atenderá todas as necessidades do local. Ontem, só até o meio-dia, havia registro de mais de mil atendimentos nos quiosques do Sesc, informou Moraes. Gente que foi atrás de atendimento odontológico, mediu a pressão, requereu a carteira de identidade ou se matriculou no curso de manicure. “Vim fazer inscrição para tratar dos meus dentes. Acho que vão me chamar”, contou, esperançosa, Maria Joelma Ferreira Lima, 27 anos, que participou das comemorações acompanhada de quatro de seus cinco filhos.

“Isso aqui é um momento único. Estamos tentando tirar as pessoas da imersão na carência para integrá-las à cidade”, definiu o administrador. As carências, aliás, afetam a todos no Pôr-do-Sol. Os amigos Joel Gomes dos Santos, 14 anos, e Luis Wendel, 15 anos, aguardavam a vez na mesa de totó para mais um desafio. A bronca dos dois, contudo, é com a falta de uma quadra de futebol para as peladas do fim de semana. “Não tem uma quadra aqui. A gente tem que jogar na terra”, reclamou Joel. Luis lembrou que a nova escola classe tem quadra, mas o lugar só pode ser usado por quem estuda lá. Gabriel Silva, de apenas 10 anos, é mais crítico. “Eles (representantes do Governo do Distrito Federal) vieram aqui e prometeram a quadra, mas até agora nada”, cobrou.



Fonte: Correio Braziliense

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