segunda-feira, 10 de março de 2008

O outro lado da Feira do Rolo

Há oito meses, a Feira da Ceilândia Sul, conhecida como Feira do Rolo, foi transferida da região da QNM 15 para a Feira do Setor O. Com o fim da concessão de uso do espaço na área mais central da Ceilândia, a associação de feirantes e o Governo do Distrito Federal chegaram à decisão de revitalizar as instalações já construídas onde seria o novo local da feira.
Nos galpões do Setor O existiam cerca de 80 bancas antes da chegada dos novos feirantes. Com a transferência da feira, esse número chegou à casa das 780 bancas. O lixo foi retirado, o calçamento foi feito, luz e água foram disponibilizadas para quem precisava recomeçar o negócio. Quem chega ao local, percebe a quantidade de comerciantes, ambulantes e compradores que circulam em busca de um produto mais em conta.
Apesar de o comércio normal representar a maior parte das vendas e de muito se falar sobre o tipo de produtos que são comercializados, muitas bancas trabalham com produtos recuperados. Para Daniela Benites, feirante que nos conduz pelos corredores, é isso o que torna a feira especial. "Esse é o outro lado da feira que muita gente não conhece e o que a torna diferente". Tudo o que sobra do mercado comum é reaproveitado: ferro de passar, televisor, celulares, bancos de automóveis, roupas, calçados, facas.
São produtos e materiais que passam pelas mãos de pessoas que encontraram na reciclagem uma forma de ganhar a vida. Uma vez recuperados e reformados, tais mercadorias retornam para as prateleiras. Equipamentos, peças e aparelhos de todo tipo que já estavam no lixo são resgatados para a reforma.
Maria Luiza Leite é dona de uma das bancas que recuperam produtos já descartados. Ela e o marido trabalham há vinte anos com o reparo de peças de vestuário. Todos os produtos que ela reforma são comprados em bazares de igrejas. Bolsas, mochilas, roupas e calçados, tudo é reformado e vendido para quem também não pode pagar muito. "A gente ganha os nossos tostões, é bom aqui", afirma Maria.
Miquéias de Vasconcelos trabalha em uma das bancas consertando celulares e reclama das possibilidades para profissionais na cidade. "Aqui em Brasília, faltam cursos que ensinem as pessoas a trabalhar. Não tem um instituto que dê os cursos necessários". A alternativa, nesse caso, é a cidade de Goiânia. O movimento é constante e o trabalho interminável. Sempre tem gente tentando recuperar o produto de que gosta. São inúmeras capas, fios e tudo associado a celulares para deixar o objeto como era antes.
Um dos trabalhos mais reconhecidos é o do recuperador de auto-falantes Durval Nascimento da Cruz. Ele era funcionário de uma loja e aprendeu com um colega a reformar os acessórios. Algum tempo depois, decidiu reciclar os produtos, que são descartados na maioria das vezes. "Se o governo desse incentivo, como cursos, a gente trabalharia melhor, desabafa Durval. O zelo com o trabalho espanta e os produtos parecem novos. "Assim como tá escrito aí na frente da minha banca, eu reciclo os produtos. Lixo, tiro a ferrugem, conserto a fiação, pinto novamente. Tem que ter todo o cuidado", afirma Durval.
Como eles, são inúmeros exemplos. Leôncio Estácio da Conceição, mais conhecido como Seu Pititão, trabalha na feira há 13 anos. Produtos de pouco valor podem ser encontrados em sua banca, mas ele contesta. "Isso me ajuda a tocar a vida. É a coisa mais linda". Muitos revendem produtos provenientes de ferros-velhos. Alguns, como Vanderlei Azevedo, possuem nota de tudo para evitar problemas com a fiscalização. "Sendo legalizado é tudo ótimo", afirma. A maioria das vendas é de peças pequenas, que servem para reparo de outras maiores ou para substituir as que foram perdidas. Muito para quem dispõe de muito pouco. O trabalho desenvolvido por pessoas como Vanderlei, Maria, Leôncio e Miquéias é resumido por Durval, que não se vê realizando outra atividade. "Até o meio ambiente estaria melhor com o serviço que muitos fazem aqui", conclui.


Fonte: Tribuna do Brasil

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