Oito horas antes de morrer, José Cláudio Feitoza da Silva (21 anos) começou a excursão às mangueiras. Chamou o irmão inseparável para a aventura de menino – Keke (18) ("Cláudio e Cleiberson - o Keke - pareciam duas fofoqueiras, conversavam o tempo inteiro", conta a mãe, dona Rita). Saíram em quatro: Cláudio, Keke, a enteada Hemily (3) – que insistira para ir, e Robinho (9), de quem dona Rita cuida durante o dia para que a mãe, uma vizinha, possa trabalhar.
O sol estava quente e as nuvens, gordas e brancas quando os quatro pegaram o ônibus gratuito que os levaria até o condomínio Sol Nascente. De lá, seguiriam a pé por uns 500 metros até a mangueira. Dona Rita ainda se lembra do filho virar a esquina da QNQ levando Hemily pela mão esquerda e rodando o chaveiro no dedo indicador direito, como sempre fazia.
A tempestade se aproximava, traiçoeira. Keke e Cláudio tinham subido na árvore e os quatro já haviam chupado, cada um, uma manga. Foi quando o céu bem acima deles ficou carregado, as nuvens quase se encostaram na terra e pingos d'água enormes começaram a cair aos gomos. Os quatro ainda tentaram se proteger debaixo da copa da mangueira. Saíram quando a chuva começou a escorrer pelos galhos e já não havia mais proteção possível. O jeito era enfrentar a tormenta – o abrigo mais próximo fica a mais de 500 metros.
Combinaram um meio a meio: Keke levaria Hemily no colo até metade do caminho e o restante final ficaria por conta de Cláudio, que tirou a camisa e com ela cobriu a cabeça da enteada. Assim foi feito até alguns segundos antes de o terrível clarão de luz colorida cair sobre o padastro e a enteada. "Eu tinha acabado de dar a Hemily pra ele e ele ainda disse: 'Valeu, cara'. Quando me afastei e olhei, vi a luz". Robinho, o garotinho de 9 anos, diz que era uma "luz vermelha" e que "a terra tremeu".
Caído sobre o matagal de dois palmos de altura, Cláudio parecia querer reagir, mas não conseguia. Estava totalmente dominado pela imensurável carga elétrica que o atingiu. (O chefe de Previsão do Tempo do Instituto Nacional de Metereologia, Luis Cavalcanti, explica que o corpo é um condutor de energia e que os raios em geral apenas resvalam num ser humano antes de atingir o solo e voltar com mesma intensidade e força em direção à atmosfera. Se atingissem um corpo com toda a terrível carga elétrica, não sobraria nem pó de um ser humano. No caso de Cláudio, o aparelho ortodôntico pode ter ajudado a atrair o raio, diz Cavalcanti).
Quando se deu conta da gravidade do que tinha ocorrido ("o cérebro parece que ficou lento"), Keke pensou no que teria de fazer. Chamou dois homens que estavam ali próximo, os dois únicos num raio de mais ou menos 500 metros. Queria que eles ficassem vigiando Cláudio, Hemily e Robinho, mas os homens ficaram meio atordoados. Keke correu atrás de um telefone para chamar a ambulância. Foi uma corrida tão desarvorada que a sola dos pés ficou em carne viva.
No caminho, Keke cruzou com Lesandra (a esposa de Cláudio). Ao ver o temporal, ela havia pego duas capas de chuva para levar à filha e ao marido. Sabia que eles deveriam estar próximos à mangueira. De longe, viu que havia duas pessoas caídas. "Aconteceu um acidente", foi o que conseguiu dizer para a cunhada.
Menos de 15 minutos depois de conseguir um telefone para pedir socorro, os bombeiros chegaram. E levaram Cláudio e Hemily para o Hospital Regional de Ceilândia. A menina teve leves queimaduras nas pernas e nos braços. Entre 17h18 e 22h15, Cláudio teve cinco paradas cardiorespiratórias. Morreu às 22h15.
Grávida de seis meses, Lesandra não quis falar. Keke perdeu o "irmão, amigo, parceiro, e um pouco pai". Robinho, 9 anos, relata a história como se tivesse contando um filme de aventura e terror. Hemily, 3, não sabe o que aconteceu naquele 03 de dezembro de 2007. E dona Rita enfrenta os dias e as noites: "Quanto mais velho o tempo, mais nova é a morte de Cláudio".
Reveja matérias e vídeos: Rede Globo e Clica Brasília
Fonte: Lembraças e homenagem na matéria "O Último Dia na Vida de Um Brasiliense" do jornal Correio Braziliense de 19/05/08
O sol estava quente e as nuvens, gordas e brancas quando os quatro pegaram o ônibus gratuito que os levaria até o condomínio Sol Nascente. De lá, seguiriam a pé por uns 500 metros até a mangueira. Dona Rita ainda se lembra do filho virar a esquina da QNQ levando Hemily pela mão esquerda e rodando o chaveiro no dedo indicador direito, como sempre fazia.
A tempestade se aproximava, traiçoeira. Keke e Cláudio tinham subido na árvore e os quatro já haviam chupado, cada um, uma manga. Foi quando o céu bem acima deles ficou carregado, as nuvens quase se encostaram na terra e pingos d'água enormes começaram a cair aos gomos. Os quatro ainda tentaram se proteger debaixo da copa da mangueira. Saíram quando a chuva começou a escorrer pelos galhos e já não havia mais proteção possível. O jeito era enfrentar a tormenta – o abrigo mais próximo fica a mais de 500 metros.
Combinaram um meio a meio: Keke levaria Hemily no colo até metade do caminho e o restante final ficaria por conta de Cláudio, que tirou a camisa e com ela cobriu a cabeça da enteada. Assim foi feito até alguns segundos antes de o terrível clarão de luz colorida cair sobre o padastro e a enteada. "Eu tinha acabado de dar a Hemily pra ele e ele ainda disse: 'Valeu, cara'. Quando me afastei e olhei, vi a luz". Robinho, o garotinho de 9 anos, diz que era uma "luz vermelha" e que "a terra tremeu".
Caído sobre o matagal de dois palmos de altura, Cláudio parecia querer reagir, mas não conseguia. Estava totalmente dominado pela imensurável carga elétrica que o atingiu. (O chefe de Previsão do Tempo do Instituto Nacional de Metereologia, Luis Cavalcanti, explica que o corpo é um condutor de energia e que os raios em geral apenas resvalam num ser humano antes de atingir o solo e voltar com mesma intensidade e força em direção à atmosfera. Se atingissem um corpo com toda a terrível carga elétrica, não sobraria nem pó de um ser humano. No caso de Cláudio, o aparelho ortodôntico pode ter ajudado a atrair o raio, diz Cavalcanti).
Quando se deu conta da gravidade do que tinha ocorrido ("o cérebro parece que ficou lento"), Keke pensou no que teria de fazer. Chamou dois homens que estavam ali próximo, os dois únicos num raio de mais ou menos 500 metros. Queria que eles ficassem vigiando Cláudio, Hemily e Robinho, mas os homens ficaram meio atordoados. Keke correu atrás de um telefone para chamar a ambulância. Foi uma corrida tão desarvorada que a sola dos pés ficou em carne viva.
No caminho, Keke cruzou com Lesandra (a esposa de Cláudio). Ao ver o temporal, ela havia pego duas capas de chuva para levar à filha e ao marido. Sabia que eles deveriam estar próximos à mangueira. De longe, viu que havia duas pessoas caídas. "Aconteceu um acidente", foi o que conseguiu dizer para a cunhada.
Menos de 15 minutos depois de conseguir um telefone para pedir socorro, os bombeiros chegaram. E levaram Cláudio e Hemily para o Hospital Regional de Ceilândia. A menina teve leves queimaduras nas pernas e nos braços. Entre 17h18 e 22h15, Cláudio teve cinco paradas cardiorespiratórias. Morreu às 22h15.
Grávida de seis meses, Lesandra não quis falar. Keke perdeu o "irmão, amigo, parceiro, e um pouco pai". Robinho, 9 anos, relata a história como se tivesse contando um filme de aventura e terror. Hemily, 3, não sabe o que aconteceu naquele 03 de dezembro de 2007. E dona Rita enfrenta os dias e as noites: "Quanto mais velho o tempo, mais nova é a morte de Cláudio".
Reveja matérias e vídeos: Rede Globo e Clica Brasília
Fonte: Lembraças e homenagem na matéria "O Último Dia na Vida de Um Brasiliense" do jornal Correio Braziliense de 19/05/08
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