terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Opinião: Discutindo praças

Paris tem a Praça da Concórdia (Place de la Concorde, aí na foto ao lado), um de seus lugares mais emblemáticos. Por obra e graça de Oscar Niemeyer, nestes dias os moradores do Distrito Federal debatem intensamente sobre aquela outra praça. Que, a esta altura, já bem poderia receber o nome de Praça da Discórdia.

Neste domingo (31/01) quem oferece sua opinião sobre ela é o senador e ex-governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque. Em artigo para o Correio Braziliense (acesso restrito a assinantes), ele afirma que Brasília não precisa de praças. O oposto do que pensa (e tem toda razão) Oscar Niemeyer. Segundo Buarque, “Nós, que moramos aqui, sabemos onde encontrar pessoas: nas feiras, shoppings, cafés, igrejas, bares, no Pontão do Lago Sul e nos demais pontos que aos poucos serão criados com a continuidade do Projeto Orla.”

Alguém por favor diga ao ilustre senador que espaço de convivência bom é aquele que fica perto da casa das pessoas e pode ser frequentado sem dificuldades por todos, inclusive idosos e crianças. Eis uma prova do que digo: uma das melhores entrequadras de Ceilândia é a EQNM 18/20. Justamente porque foi lá que Cristovam, quando era governador, mandou construir a Praça do Cidadão. A praça, mesmo não sendo lá nenhuma brastemp, tornou-se o ponto de encontro dos moradores vizinhos e palco de eventos culturais e esportivos. Resultado: o comércio em volta se diversificou e ganhou mais qualidade. Todos saíram ganhando. Duvido que alguma das milionárias (e fechadas) Vilas Olímpicas em construção na cidade venha a produzir o mesmo bom resultado.

Tem mais: com exceção talvez das igrejas (onde pouca gente ainda vai) e dos bares (onde muita gente prefere confessar os pecados), o vivente necessita utilizar automóvel para chegar a alguns dos lugares citados por Cristovam como pontos de interação social. Para o senador (que tem até motorista) ou alguém de sua classe social, isto não representa um problema. Já para quem vive do lado de cá do planeta e depende do transporte público, o buraco é mais embaixo.

Além disso, alguns dos locais mencionados são fechados. Tiram as pessoas das ruas. E ruas com pouca gente, caro senador, são um habitat ideal para os delinquentes, desde os pichadores até os assaltantes e estupradores. Esta é uma das muitas razões pelas quais tantas cidades mundo afora tratam de criar praças e parques bem cuidados, além de lutar para que suas ruas estejam sempre seguras, limpas e atraentes a qualquer hora do dia ou da noite. Dou-lhe um exemplo: aqui em Buenos Aires às vezes volto para casa depois das duas horas da manhã e ainda encontro muitas pessoas caminhando na rua. Até mesmo idosos levando o cachorro para passear. As pessoas sentem-se seguras não apenas em razão da boa iluminação e do policiamento ostensivo, mas também por verem muita gente ao seu redor. Isto é algo que não se vê nem nas ruas do ultra-vigiado Lago Sul.

O que me fez torcer o nariz para o projeto de Niemeyer foi o formato de sua praça - nem foi sua localização, seu gosto duvidoso ou sua suposta agressão ao tombamento de Brasília. É que de praça monumentalmente deserta já nos basta a dos Três Poderes (que pelo menos serve para que alguns afoitos economizem o dinheiro do motel durante as madrugadas). Praças, nunca é demais repetir, devem ser antes de mais nada espaços de convivência. E por isso devem estar próximas de onde as pessoas moram.

É por este motivo que reclamo tanto da destinação dos becos de Ceilândia para a construção de moradias. Um equívoco que começou, aliás, justamente no governo de Cristovam Buarque. Foi ele que sancionou a lei de autoria do então deputado distrital Luiz Estevão que tirou dos ceilandenses diversos espaços próximos às residências que, se devidamente cuidados, poderiam estar servindo hoje para nossas crianças brincarem e nossos idosos tomarem sol toda manhã.

Antes que algum microcéfalo venha com aquela história de que uma moradia é mais útil que um beco (coisa para lá de óbvia, desde que a moradia seja construída no lugar certo), devo dizer que escrevo sobre o assunto com a autoridade de quem cresceu em Ceilândia e, quando criança, só tinha as ruas esburacadas, os terrenos baldios e as valas das voçorocas como espaço de lazer. Sei bem do que estou falando.

O argumento do ex-governador em relação às praças é semelhante a outro que andaram esgrimindo recentemente sobre a criação de uns tais “pulmões verdes” em Ceilândia, que deveriam se localizar em regiões fora da cidade, próximos à Via Estrutural, por exemplo. Taí mais uma ideia espantosa. Criar ilhas verdes em volta da cidade, apesar de ser melhor que nada, será de muito pouca serventia. O correto é que cada rua, cada entrequadra, cada espaço disponível sejam intensamente arborizados (como esta rua na foto ao lado, que fica aqui perto de casa).

Em Ceilândia, apenas algumas avenidas contam com arborização. As ruas internas são quase destituídas de árvores. Uma boa cobertura vegetal é ainda mais necessária se levarmos em conta as peculiaridades climáticas do DF: o sol inclemente no verão, a secura angustiante no inverno e a claridade excessiva durante o ano todo. Condições que nos tornam a todos, que aqui vivemos, vítimas potenciais de câncer de pele, problemas respiratórios e doenças oculares sérias, especialmente a catarata. Trata-se de um problema de saúde pública e não de simples embelezamento da cidade, como algumas pessoas menos esclarecidas imaginam.


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Para ler na íntegra, visite o site da fonte.


Fonte: Ceilândia.com

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