domingo, 5 de abril de 2009

Opinião: A saga de um povo

Completar mais um ano de existência é, no caso de Ceilândia, confirmar a vitória de um povo batalhador, que fez da cidade mais que sua residência: um foco de resistência a políticas públicas equivocadas e excludentes. Aos 38 anos, a cidade já não é mais massa de posição social homogênea e de pessoas lançadas à própria sorte, longe dos olhos preconceituosos da elite segregacionista de Brasília.

Ceilândia foi, por muito tempo, uma pedra na concepção que excomungou os pobres e que compôs uma Brasília sem o pecado da miséria. Para lá foram empurrados centenas de trabalhadores que deixaram sua terra natal para investir no sonho de criar uma cidade nova, com novos ideais e mais justiça social. Pessoas que descobriram, na prática, que a nova capital não era do povo, que havia sido construída apenas para uns poucos.

São mais de três décadas de histórias de lutas de um povo que não desiste e que segue em frente, mesmo tendo de enfrentar os descasos consecutivos de governantes que, civis ou militares, esqueceram daquele pedaço de terra e daquela gente sofrida. Pessoas que se espremem em ônibus cheios, sujos e velhos, e que, com o suor do seu rosto giram a economia local, constroem e reconstroem, a cada dia, a vida da nova capital.

Lá, longe dos olhos da classe elitizada de Brasília, o povo de Ceilândia resiste, em meio ao vertiginoso aumento da violência, que só era vista nas capas de jornais, mas que agora transborda para a ilha da fantasia dos bairros de maior poder aquisitivo. É a pobreza batendo à porta de quem quis fechar os olhos para a exclusão social que assola esse país há séculos e que, na nova capital, ganhou contornos mais desumanos.

Nesses anos, apesar de esquecida pelo poder público, Ceilândia cresceu. Cresceu e apareceu. A cidade é hoje uma das principais impulsionadoras do crescimento econômico do Distrito Federal. O segmento empresarial é pugente, feito de pessoas sérias, responsáveis e que zelam pela cidade. É importante lembrar que, é claro, Ceilândia é um dos maiores colégios eleitorais. Deve ser por isso que, agora, é tão comemorada, homenageada em discursos políticos eleitoreiros. Velhos e novos politiqueiros destinam fartas horas de suas agendas para se dedicar à cidade. Pessoas que pensam que sim, mas não conseguem mais enganar aquele povo.

Ceilândia foi construída pela miscigenação do que há de melhor na identidade cultural dos Estados. Trouxe das cidades nordestinas a vontade de vencer na vida e conseguir, pela luta, se estabelecer, mesmo que contra os interesses hegemônicos. Importou do Sudeste a alegria e o acolhimento a quem vem de fora. A culinária do Norte, a firmeza do Sul.

Ceilândia é a síntese perfeita de um país tão plural como o Brasil e é ainda mais democrática. A cidade não se rende às colorações partidárias, mas é ideológica. Seu povo é consciente e cobra dos mandatários políticos a dignidade que merece. Hoje, a cidade grita por escolas mais bem-estruturadas, por políticas de segurança mais eficazes. Essa é uma conta que, se cobrada nas urnas, quando os discursos e as promessas não cumpridas, terão de ser explicadas.

Até lá, o povo da cidade quer ter o que comemorar. A população de Ceilândia aspira crescimento organizado; seriedade do poder público para conter a expansão urbana descontrolada, investimentos em infraestrutura e que priorize a universalização do acesso aos direitos básicos - como saúde e educação e a garantia de cidadania em seu conceito mais amplo, com respeito às liberdades civis e aos direitos humanos.

São 38 anos de história, 38 anos de lutas que devem continuar. A cidade já não é mais um despejo de almas de pouca sorte e de parcos recursos. Em Ceilândia pulsa uma gente guerreira que quer completar outros tantos anos em busca de mais crescimento, qualidade de vida e dignidade. Eu tenho orgulho de fazer parte desta história e de ser morador desta cidade. Ceilândia está na almo de Chico Vigilante, um brasileiro que acredita em justiça social e que quer ajudar, ainda mais Ceilândia, a ser exemplo para o resto do país.


Chico Vigilante


Fonte: Jornal de Brasília de 01/04/09

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