quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A Praça dos Amigos pede ajuda

O projeto de levar as pracinhas para a vizinhança de cada bairro é nobre: promover a convivência entre os moradores e proporcionar um espaço de lazer para crianças. A simplicidade de uma ideia não a desqualifica, pelo contrário. Mas, se todo cuidado for muito pouco, o que é singelo pode esbarrar no descaso. Esse é o resumo do sentimento da comunidade da QNP 13, no P Norte, Ceilândia. Há anos, um grupo de moradores briga para manter as mínimas condições da Praça dos Amigos, uma das mais antigas da cidade. Os brinquedos estão estragados e enferrujados. A calçada, rachada. É comum que a coleta de lixo sobre para os vizinhos da praça.

Emanuel Relton, 28 anos, nasceu e cresceu na QNP 13 “antes mesmo de ter qualquer coisa aqui”, diz. Viu de perto a transformação do lugar. “Antigamente, a praça ficava cheia de gente. Hoje, criança não fica mais aqui. Os pais têm medo”, garante. O Ferrock(1), tradicional festival de música de Ceilândia, começou ali, há 25 anos. Neste ano, a festa migrou para a Praça da Administração devido à precariedade da estrutura do local anterior.

Assim como outros moradores, Relton cansou de esperar providências das autoridades e tomou iniciativa para cuidar da praça: usou suas habilidades de serralheiro para soldar os brinquedos e construiu uma barra de ferro para exercícios. Ele afirma já ter remendado os materiais à exaustão, e que não adianta mais consertar. “Isso acontece por falta de manutenção. Não adianta só montar e nunca mais voltar para fazer reparos”, critica.

Há alguns meses, a Administração Regional de Ceilândia esteve no local para fazer uma avaliação. De lá para cá, pouco mudou. Os postes de luz finalmente foram instalados pela Companhia Energética de Brasília (CEB) pouco mais de um mês atrás, assim como foi feito em outros pontos do P Norte que habitavam o escuro até então. Segundo João Cléber Fernando de Araújo, gerente de Esporte, Lazer e Cultura da Administração, houve um convênio entre a administração e a Associação Guerreiros da Bola, formada por moradores e peladeiros. “Nós fornecemos alguns materiais e eles entrariam com a mão de obra. Mas nunca concluíram a reforma”, conta.





João Gomes, presidente da Guerreiros da Bola, diz que a intenção era construir um campo de areia que serviria para jogar futebol e vôlei e que o governo repassou um caminhão de areia e cerca de 500 tijolos. “Mas o apoio da comunidade faltou. Em um momento, tive que tirar dinheiro do meu bolso para pagar o pedreiro e o ajudante.” Argemiro Gomes, 32 anos, lamenta a interrupção das obras e reafirma a vontade da vizinhança em ajudar. “Recentemente, fizemos um mutirão para limpar o terreno. As pessoas querem um espaço decente”, destaca.

Argemiro e Emanuel não se conformam em lutar por uma praça reformada enquanto estruturas novas são construídas em áreas formadas há pouco tempo, como a expansão do Setor O. “Colocaram uma Praça do Idoso com todos os equipamentos em um lugar aonde ninguém vai. Não é justo”, argumenta Emanuel. O gerente de Esportes da Administração garante que irá ao local para fazer uma vistoria, mas alega que a renovação dos equipamentos depende de procedimentos mais complexos. “É preciso abrir uma licitação, e agora estamos em época de eleições, o que gera certas proibições”, explica. Emanuel rebate: “Essa tal de licitação é a melhor coisa que já inventaram na vida. Você pode enrolar o ser humano o quanto quiser com essa desculpa”.

Praça vazia, oficina da ilegalidade. O medo das pessoas não se resume aos acidentes que podem acontecer se uma criança cair do escorregador que está apenas encaixado na barra. A desocupação da praça deixou brechas para visitas indesejadas. A estudante Andréia Guedes e a amiga Aline Vargas, ambas com 15 anos, aproveitam o banco sob a sombra das árvores para conversar depois da aula. Mas as fofocas só são atualizadas com a luz do dia. “Tem gente que vem aqui usar drogas. Seria preciso colocar alguma segurança. Antigamente, era um breu total. Mesmo com a luz, ainda tem gente estranha que vem aqui”, diz Andréia. O serralheiro Emanuel sequer cogita levar a filha de três meses para passear por ali. “Foi-se o tempo em que esse era um lugar familiar.”



Fonte: Correio Braziliense

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