sábado, 14 de agosto de 2010

Conheçam o pedreiro poeta

Fácil, não foi. Mas foi um projeto longamente cultivado. Os oito irmãos de Donzílio Luiz de Oliveira já haviam descido para São Paulo e Brasília, mas coube a ele ficar com a mãe viúva. Até que, três meses antes da inauguração da nova capital, o repentista de 26 anos desceu na Cidade Livre, com um matulão e uma viola. “Lembra da música? ‘Minha mala era um saco e o cadeado era um nó’”, conta o pernambucano de Itapetim, poeta, escritor, charadista, repentista, cordelista, trovador e morador de Ceilândia desde 1972.

Foi difícil se adaptar à nova capital: “Achei tudo muito bonito, muito bom, só o que ficava esquisito era a convivência da gente, faltavam os amigos. Você sai de um costume e entra noutro. Não tem jeito de não estranhar”. No primeiro ano de Brasília, o pedreiro-trovador padeceu de uma tosse crônica, “que virou coqueluche”. Procurou o médico e ouviu: “Tem um remédio muito bom pra você. Volta pra sua terra”. Foi a deixa para Donzílio começar uma rotina de ir e vir, Brasília-Itapetim, que durou nove anos.

“Trabalhava uns tempos aqui, voltava pra lá de novo. Aqui era o lugar de faturar um dinheirinho, lá não tinha. Chegava lá e comprava uma vaquinha, um cavalo, que naquele tempo era o Vectra de hoje.” Da primeira obra em Brasília, a Escola Classe 210 Sul, o pedreiro-cordelista passou por muitas outras até se aposentar, em 1998. Nos intervalos das obras, Donzílio escrevia seus cordéis. A inspiração vinha da terra natal e das novas experiências vividas.

Um dia, no descanso do almoço, na obra da sede da Caixa Econômica Federal, no Setor Bancário Sul, o poeta-trovador pegou um papel que o vento fazia rolar pelo cerrado. Estava sujo, manchado de orvalho, mas ainda deu para ler uma frase: “Não te amarei jamais”. Donzílio entendeu que aquela letra feminina anunciava o fim de um romance. Nascia daí um soneto.




Enquanto fazia charadas, escrevia poemas, publicava cordéis, Donzílio trabalhava de pedreiro, depois de encarregado, mais tarde de mestre de obra. Até conseguiu um emprego de auxiliar de escritório, que seu ensino fundamental completo permitia. “O pagamento de um mês de trabalho era menor do que o de uma semana numa obra de Brasília.” O trovador voltou para o pesado, que lhe deu um pequeno patrimônio, do qual consta uma casa confortável na QNN2.

Donzílio é duplamente bravo candango, porque ajudou a construir Brasília e porque foi um dos primeiros moradores de Ceilândia. “Fui tirado da Vila Tenório e levado pra lá em 1972. Era tudo terra, pó, vento e só. Até rimou, né?” Nos primeiros tempos, a cidade nascida de um projeto monumental de erradicação de invasões era lugar bravio pra se morar. “Naquela época, aqui, só prestava o dinheiro.” Quase 40 anos depois, a cidade foi domada. “Graças a Deus, não tenho do que reclamar, não. Mas foi difícil, principalmente no começo.”

Aposentado, viúvo, único filho empregado em um órgão público do Distrito Federal, Donzílio vive de escrever seus livros, de dar palestras, de frequentar as academias literárias ceilandenses e de voltar a Itapetim. “Vou duas vezes por ano.” Tem um computador, modelo CTR, uma escrivaninha grande de metal, muitos livros para ler e a viola pendurada na parede. “Considero uma riqueza o que tenho. Ninguém precisa mais do que o necessário.”



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Fonte: Correio Braziliense

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