sexta-feira, 25 de junho de 2010

O desabafo da enfermeira

Passava das 11h da última segunda-feira. A enfermeira Vilma Lobo, de 47 anos, cuidava de uma paciente em um dos boxes da emergência do Hospital Regional de Ceilândia (HRC), onde trabalha desde a inauguração da unidade de saúde, em 1981. Ao ouvir gritos e perceber um movimento estranho nos corredores, ela se espantou. Logo em seguida, uma colega chegou com a notícia: “Tem uma mulher que coletou o próprio sangue, está dizendo que tem Aids e que vai infectar as pessoas”.

Como supervisora do setor, Vilma foi ver, de perto, o que acontecia. No caminho até a sala de medicação, onde acontecia o tumulto, as colegas contaram rapidamente o motivo da fúria da mulher — cujo nome de batismo é Osmair Miliano Pinto, de 28 anos — que é conhecida como Maíra. O travesti chegou ao hospital em uma ambulância do Corpo de Bombeiros, acompanhando um paciente que sofrera uma crise convulsiva, mas já havia recebido os primeiros socorros e aguardava atendimento médico.

Vilma foi informada de que, naquele momento, não havia médico disponível. “Fui tentar resolver o conflito, pedir calma. Como a pressão da paciente já tinha sido aferida e ela não estava com febre, era preciso só um pouco de paciência”, contou a enfermeira, que recebeu o Correio na manhã de ontem para uma conversa que durou pouco mais de uma hora. “Entendo a revolta, mas eu não tinha culpa. Sofri as consequências de algo que eu não tinha culpa”, repetia, entre lágrimas.

A continuação dessa história, o Brasil inteiro leu nos jornais e viu na TV ao longo da semana. Assim que Vilma se aproximou do travesti, ele se impôs: “É você que não quer atender?”. Não houve tempo de a enfermeira responder. Osmair, que é soropositivo, pegou uma seringa com a qual havia coletado o próprio sangue e o injetou na mão esquerda da enfermeira-chefe do pronto-socorro. Foram três picadas. “Agora, você é a mais nova integrante da turma, colega”, debochou Osmair, depois do ataque.

Uma outra enfermeira tentou conter o agressor e acabou levando uma mordida no braço. Pacientes que também aguardavam atendimento ajudaram a imobilizar o travesti. Enquanto a polícia(1) não chegava ao hospital, Vilma se desesperava para tomar os primeiros comprimidos. O jaleco branco ficou sujo de sangue. A mão atingida pela seringa inchou imediatamente. “Tentei tirar a mão na hora que vi a seringa, mas ele me segurou com muita força. Senti a dor da agulha, o sangue entrando”, relembrou.

Antes de se deparar com a servidora do HRC, o travesti, transtornado, gritava que “furaria” a primeira pessoa vestida de branco que encontrasse pela frente. “Essa pessoa fui eu. Ele falava da seringa, mas ninguém tinha visto nada ainda porque ele a escondeu, como se fosse uma arma. Pensei que pudesse ser um blefe”, comentou a vítima, que chorou durante toda a conversa. “A gente perde os sentidos, a força, não quer acreditar. Uma covardia tirou o meu chão.”



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Fonte: Correio Braziliense

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