Ele é um dos principais ativistas culturais de Ceilândia. Mora na Nova Guariroba desde 1981 e preserva a memória viva da cidade com a ajuda de seus alunos e dos pioneiros, aqueles mesmos que construíram Brasília e foram expulsos da antiga Cidade Livre. O professor Jevan tem muita história para contar. Ao Correio, relata sua luta contra o preconceito e valoriza expressões artísticas da cidade, como o repente, o hip-hop, a música e o cinema. Gosta de valorizar a atitude da nova geração de artistas: “Eles sabem que, se for depender de políticos, a Ceilândia sempre será deixada de lado. Uma cidade de segunda categoria”.
Quantas Ceilândias existem em Ceilândia?
Eu defendo uma tese que Ceilândia é feita por várias cidades. E olha que já passaram de 11. Cada uma com suas características. Como o Barril (a cidade antiga), que é o local que recebeu 16 mil famílias, principalmente nordestinas, que vieram transferidas das vilas operárias no início dos anos 1970 como se fossem lixo. Esses primeiros moradores de Ceilândia ainda relembram das histórias do Morro do Urubu, do Curral das Éguas, localidades dos tempos da Cidade Livre. Já na Expansão do Setor O, estão os primeiros filhos da cidade, uma das regiões mais carentes.. É a parte de rap. Esses filhos começaram a se conscientizar e a perceber que sempre foram explorados, assim como suas famílias. Lá há lotes de 250m² e de 25m², tudo sem a mínima infra-estrutura. É onde tem mais crianças nas ruas. Lá nasceram grupos de hip-hop e rappers conhecidos, como Tropa de Elite, Câmbio Negro, Jamaica, Gog. Agora esse “lixo” se transformou no cartão-postal da cidade.
Como é fazer e manter um museu como o da Memória Viva Candanga dentro de casa? Você tem ajuda de quem?
Não tem ajuda de ninguém. A minha ajuda vem da sala de aula, dos meus estudantes, que compõem a Sociedade dos Pesquisadores e Pioneiros da Ceilândia. “Pesquisadores” são os estudantes, e “pioneiros” são os avós deles. Em toda aula inaugural eu distribuo um pequeno questionário de história oral para que os alunos descubram alguma história interessante de um avô, de uma avó ou de um idoso que saiba alguma coisa sobre a história da cidade ou do início de Brasília. Aí a gente seleciona essas histórias e levamos os avós para fazer palestras nas salas de aula. Esse material é transformado em histórias em quadrinhos, poesias, desenhos e músicas. Foram tantas informações que a agente resolveu, em 1993, criar esse museu.
E isso é memória viva…
Sim, porque são histórias coletivas, como a de Ari de Barros, que fez o Festival de Rock da Ceilândia, o Ferrock, que tem 25 anos. Ele foi pesquisado pelos alunos, o Ari é uma dessas “páginas vivas” do museu. Assim como ele, temos 107 painéis de pioneiros montados pelos próprios estudantes. Brasília é a única cidade do mundo cujos fundadores, em vez de serem chamados de construtores, aqueles que ergueram a capital, são chamados de invasores. E Ceilândia carrega essa exclusão social no próprio nome — CEI quer dizer Campanha de Erradicação das Invasões. Mas somos sim “candangos incansáveis”. Hoje damos muito valor a essas 16 mil famílias de “invasores” que vieram criar a cidade. Eles guardam nossa memória, e muitos filhos se transformaram em artistas renomados em Brasília, como os músicos do Clube do Som, que são quatro irmãos músicos provenientes da Vila do IAPI (soletrado mesmo) e que agora possuem um estúdio de gravação na cidade em que recebe grupos de vários gêneros musicais.
Na Academia Ceilandense de Letras há espaço para poetas populares?
Sim, claro. Temos, inclusive, o primeiro escritor da cidade. Ele é um cordelista que participou do Movimento dos Incansáveis da Ceilândia (que sempre lutou para melhorias na cidade), Joaquim Bezerra da Nóbrega(2). Ele escreveu um livro em 1976, chamado Terracap contra a Ceilândia, se não fossem políticos e advogados da OAB, ele seria enviado para a Papuda, porque ele foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional. O pai de Joaquim Bezerra foi um dos construtores da “Obra 28”, pois os candangos não sabiam que era o Congresso Nacional, eles só sabiam que a obra teria 28 andares. Na academia tem também o pessoal do rap, como o rapper Japão(3) (Marcos Vinícius de Jesus), que entrou para a história local ao participar do filme premiado do 38º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 2005, com Rap, o canto da Ceilândia, dirigido por Adirley Queirós. Os rappers, na minha opinião, são os melhores cronistas de nosso tempo. São eles que contam hoje a história da Ceilândia, porque são eles que vivem na rua, que sofrem o preconceito, que sofrem com a falta de qualidade das escolas e com o desemprego.
Fonte: Correio Braziliense
Quantas Ceilândias existem em Ceilândia?
Eu defendo uma tese que Ceilândia é feita por várias cidades. E olha que já passaram de 11. Cada uma com suas características. Como o Barril (a cidade antiga), que é o local que recebeu 16 mil famílias, principalmente nordestinas, que vieram transferidas das vilas operárias no início dos anos 1970 como se fossem lixo. Esses primeiros moradores de Ceilândia ainda relembram das histórias do Morro do Urubu, do Curral das Éguas, localidades dos tempos da Cidade Livre. Já na Expansão do Setor O, estão os primeiros filhos da cidade, uma das regiões mais carentes.. É a parte de rap. Esses filhos começaram a se conscientizar e a perceber que sempre foram explorados, assim como suas famílias. Lá há lotes de 250m² e de 25m², tudo sem a mínima infra-estrutura. É onde tem mais crianças nas ruas. Lá nasceram grupos de hip-hop e rappers conhecidos, como Tropa de Elite, Câmbio Negro, Jamaica, Gog. Agora esse “lixo” se transformou no cartão-postal da cidade.
Como é fazer e manter um museu como o da Memória Viva Candanga dentro de casa? Você tem ajuda de quem?
Não tem ajuda de ninguém. A minha ajuda vem da sala de aula, dos meus estudantes, que compõem a Sociedade dos Pesquisadores e Pioneiros da Ceilândia. “Pesquisadores” são os estudantes, e “pioneiros” são os avós deles. Em toda aula inaugural eu distribuo um pequeno questionário de história oral para que os alunos descubram alguma história interessante de um avô, de uma avó ou de um idoso que saiba alguma coisa sobre a história da cidade ou do início de Brasília. Aí a gente seleciona essas histórias e levamos os avós para fazer palestras nas salas de aula. Esse material é transformado em histórias em quadrinhos, poesias, desenhos e músicas. Foram tantas informações que a agente resolveu, em 1993, criar esse museu.
E isso é memória viva…
Sim, porque são histórias coletivas, como a de Ari de Barros, que fez o Festival de Rock da Ceilândia, o Ferrock, que tem 25 anos. Ele foi pesquisado pelos alunos, o Ari é uma dessas “páginas vivas” do museu. Assim como ele, temos 107 painéis de pioneiros montados pelos próprios estudantes. Brasília é a única cidade do mundo cujos fundadores, em vez de serem chamados de construtores, aqueles que ergueram a capital, são chamados de invasores. E Ceilândia carrega essa exclusão social no próprio nome — CEI quer dizer Campanha de Erradicação das Invasões. Mas somos sim “candangos incansáveis”. Hoje damos muito valor a essas 16 mil famílias de “invasores” que vieram criar a cidade. Eles guardam nossa memória, e muitos filhos se transformaram em artistas renomados em Brasília, como os músicos do Clube do Som, que são quatro irmãos músicos provenientes da Vila do IAPI (soletrado mesmo) e que agora possuem um estúdio de gravação na cidade em que recebe grupos de vários gêneros musicais.
Na Academia Ceilandense de Letras há espaço para poetas populares?
Sim, claro. Temos, inclusive, o primeiro escritor da cidade. Ele é um cordelista que participou do Movimento dos Incansáveis da Ceilândia (que sempre lutou para melhorias na cidade), Joaquim Bezerra da Nóbrega(2). Ele escreveu um livro em 1976, chamado Terracap contra a Ceilândia, se não fossem políticos e advogados da OAB, ele seria enviado para a Papuda, porque ele foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional. O pai de Joaquim Bezerra foi um dos construtores da “Obra 28”, pois os candangos não sabiam que era o Congresso Nacional, eles só sabiam que a obra teria 28 andares. Na academia tem também o pessoal do rap, como o rapper Japão(3) (Marcos Vinícius de Jesus), que entrou para a história local ao participar do filme premiado do 38º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 2005, com Rap, o canto da Ceilândia, dirigido por Adirley Queirós. Os rappers, na minha opinião, são os melhores cronistas de nosso tempo. São eles que contam hoje a história da Ceilândia, porque são eles que vivem na rua, que sofrem o preconceito, que sofrem com a falta de qualidade das escolas e com o desemprego.
Fonte: Correio Braziliense
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