Esta é uma pergunta que eu como cidadão
nascido ceilandense e morador da cidade por praticamente a vida inteira (no momento a necessidade me força a viver em
outro lugar, mas agüente que eu vou voltar já, Minha Cidade!) ainda me pego
fazendo. A certidão de nascimento atesta que sou filho da cidade de Ceilândia.
Minha identidade diz que sou natural de Brasília-DF. Não acho natural que
alguém nasça em uma cidade e seu documento principal diga outra coisa, isto é
basicamente uma falsidade ideológica imposta. Se você visita outra região do
Brasil e alguém te pergunta de onde é, é quase que obrigado a dizer Brasília,
afinal para moradores de outros Estados as regiões administrativas não existem.
E tecnicamente não existem fora daqui. Embora isso fira cultura e geografia.
Há cerca de um ano e quatro meses,
durante o feriado de 12 de outubro de 2010, a administração regional de
Ceilândia organizou o show da conhecida dupla Jorge & Mateus. Em certo momento
do show, um dos cantores exclamou: “-
Obrigado, Brasília!”. Quase que instantaneamente jovens em locais
diferentes gritaram: “- Brasília, não,
aqui é Ceilândia!”. Essa situação a princípio pareceu-me apenas brincadeira
daqueles adolescentes, mas, parando para pensar depois, percebi que aquilo era
o puro reflexo de uma identidade cultural própria daquelas pessoas. Já havia
ido a dezenas de shows em cidades do DF, mas nenhuma vez tinha flagrado um
movimento grande de pessoas contestarem quando os artistas chamam sua
respectiva cidade de Brasília.
Sempre existiu certo desconforto com a
identidade brasiliense por parte dos moradores da cidade. Isso muito se deve ao
tratamento que a cidade tem por parte do governo do Distrito Federal, desde o
princípio os moradores da cidade eram vistos como “indesejáveis”. Ceilândia só entra no mapa do DF quando chega
eleição, aí todo deputado “mora em
Ceilândia” e todo deputado “ama Ceilândia”.
A região administrativa vira a menina dos olhos quando se fala em suas centenas
de milhares (ou milhões segundo alguns) de habitantes, essas pessoas são
invisíveis para as políticas de saúde e educação, mas são sempre lembradas de
Quatro em Quatro anos, afinal, votar é obrigatório, e essa humilde
cidade (satélite) é crucial para os rumos da decisão eleitoral. O número de
moradores da cidade também tem aproximado grandes empresários que vêem nela
potencial esmagador de mercado e acham uma boa idéia abrir filiais na cidade ou
mesmo tentar chamar a atenção desse público, o que é bom pra cidade, mesmo com
polêmicas como a do futuro shopping (que seria de Ceilândia) e é situado em Taguatinga
Norte (M Norte)...
A
mídia também colaborou ainda mais com esse afastamento, durante anos os
ceilandenses atletas e artistas de sucesso eram tratados como “orgulho de
Brasília”, enquanto em boa parte dos assuntos relacionados à violência era
apontada como “Em Ceilândia, cidade satélite há 40 km de Brasília...”. Isso
associou erroneamente a cidade à violência. Basta digitar o nome da cidade num
site como o “YouTube” para ver que os vídeos de maior acesso tem a ver com
violência. A lógica é simples: se é ruim é Ceilândia, se é bom é Brasília. Ao
menos para alguns. Enquanto nossa amada cidade tem ainda muito a ser feito na
questão de saneamento e urbanização, o rico setor Noroeste tem tudo planejado e
começando a entrar em execução. Não seria um problema para mim não fosse o fato
de ser uma cidade que não existe e oficialmente sem morador algum. A
invisibilidade da cidade aos olhos de “Brasília” é tanta que o famoso grupo
“Câmbio Negro”, sensacional banda de Ceilândia que misturava rap com rock,
antes mesmo de isso virar a moda que virou, jamais é lembrada quando se fala
das bandas brasilienses, enquanto que grupos totalmente desconhecidos do grande
público são colocados em evidência.
Felizmente agora surge um número crescente
de entusiastas do orgulho ceilandense. Adirley Queiroz, multi-premiado por seu
curta “Rap – O Canto Da Ceilândia”, recentemente recebeu a honraria máxima no
Festival de Tiradentes com o filme “A Cidade É Uma Só?” que trata de certa
forma desse mesmo assunto. Existem também alguns blogs (como o próprio 100%
Ceilândia), ONGs e grupos artístico-culturais que engajam na causa. A discussão
poderia preencher páginas de um livro, mas prefiro não fazer isto mais longo
que já está. Ceilândia não quer independência, quer respeito. Ceilândia não quer
mais que as outras cidades, quer é sua parcela justa e proporcional de
direitos. Certa vez vi no Correio Braziliense uma entrevista de um engajado no
movimento pelo direito da população negra que afirmava: “Os rappers da Ceilândia
estão chegando a São Paulo sem precisar pedir a benção ao Plano Piloto.”
Concordo com esta afirmação e acrescento: Melhor é ter o Plano Piloto como
aliado, mas se não for possível vamos em frente sem precisar pedir a benção.
Tiago de Lins
Fonte: Tiago, por e-mail
Um comentário:
Ceilândia está a 24 kms de Brasília. Dependendo do ponto para onde vai, pode ser 20 Kms ou no máximo 27 kms. O problema é que aqui no Distrito Federal, quer você queira ou não, só existe um município, que é Brasília. Quando você entra no Distrito Federal vindo de qualquer cidade do entorno(goiás) sempre vai estar escrito: "Divisa de município - Águas Lindas de Goiás/Brasília( e não Ceilândia, como seria o certo caso Ceilândia fosse um município). Por isso não importa onde você mora dentro do Distrito Federal, você mora em Brasília, pois os carros são emplacados como Brasília, more você em Ceilândia, Taguatinga, Gama, Lago Sul, entre outras regiões administrativas.
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