A eleição para presidente da República já me causou sérios prejuízos: até agora perdi dois amigos e me decepcionei com meia dúzia. Daí adotei uma medida de contenção, antes que em 31 de outubro eu esteja sozinha na Rua da Amargura. Não discuto mais as qualidades ou os defeitos da candidata ou do candidato. Até porque minha escolha está feita e desde muito antes do primeiro turno. Nada do que foi dito, escrito, denunciado, revelado, posto sob suspeita, nenhum dos debates, nenhum dos programas eleitorais, nenhuma pesquisa, nenhum e-mail raivoso, nada alterou o meu voto.
Devo confessar que tudo em mim é passional, o que pode ser intenso e verdadeiro, mas ao mesmo tempo pode pôr em risco a razoabilidade de minhas escolhas. Mas suspeito que esse pecado não seja só meu. A escolha de uma candidata (ou de um candidato) se faz por razões muito pouco razoáveis, é o que percebo. Vota-se nesta ou naquele por fidelidade partidária ou por motivações ideológicas, por simpatia gratuita ou por falta de opção ou por um conjunto contraditório de motivos. Num segundo turno, então, a escolha tende a ser sanguínea, o tudo ou nada, o mata-mata.
O eleitor é um sujeito idiossincrático. Conheço poucos que tenham feito sua escolha com base na fria avaliação dos projetos apresentados pelos candidatos. Nenhum voto é gelado — até os voluntariamente nulos carregam a marca da desilusão ou da galhofa. O dedo que tecla o número atrás do biombo de papelão é decidido, feroz, irado.
Como ainda faltam 15 longos dias para o segundo turno, decidi que não vou mais debater o assunto, exceto com os amigos que declaradamente compartilham comigo da mesma escolha. Também não aceitarei mais provocações. A elas, responderei com um educado (grhhhhhhh) silêncio. Também me comprometo publicamente a não ficar chateada com os amigos a quem tanto admiro e que de repente, não mais que de repente, não vão votar com o meu voto. Como pode??!! Nós que compartilhamos tantos sentimentos do mundo, será que você não vê que a minha escolha é comprovadamente a melhor?? E que a sua é comprovadamente a pior?? Não, não vou mais me angustiar com nenhuma dessas interrogações.
Vai passar. O 31 de outubro vai passar. A vitória de uma ou de outro pode mudar o país pra melhor ou pra pior, mas a vida nossa de cada dia seguirá seu rumo, com mais ou menos entusiasmo, porém com os mesmos amigos, sempre os mesmos, na vitória ou na derrota. Depois de 31 de outubro, as amizades estremecidas serão recuperadas, tenho certeza. Vou me reconciliar com os que me decepcionaram e a quem eu decepcionei. Só não prometo ser menos passional. Não teria onde sustentar meu trôpego (e feroz) existir.
Portanto, até 31 boca fechada.
Conceição Freitas
Fonte: Correio Braziliense
Devo confessar que tudo em mim é passional, o que pode ser intenso e verdadeiro, mas ao mesmo tempo pode pôr em risco a razoabilidade de minhas escolhas. Mas suspeito que esse pecado não seja só meu. A escolha de uma candidata (ou de um candidato) se faz por razões muito pouco razoáveis, é o que percebo. Vota-se nesta ou naquele por fidelidade partidária ou por motivações ideológicas, por simpatia gratuita ou por falta de opção ou por um conjunto contraditório de motivos. Num segundo turno, então, a escolha tende a ser sanguínea, o tudo ou nada, o mata-mata.
O eleitor é um sujeito idiossincrático. Conheço poucos que tenham feito sua escolha com base na fria avaliação dos projetos apresentados pelos candidatos. Nenhum voto é gelado — até os voluntariamente nulos carregam a marca da desilusão ou da galhofa. O dedo que tecla o número atrás do biombo de papelão é decidido, feroz, irado.
Como ainda faltam 15 longos dias para o segundo turno, decidi que não vou mais debater o assunto, exceto com os amigos que declaradamente compartilham comigo da mesma escolha. Também não aceitarei mais provocações. A elas, responderei com um educado (grhhhhhhh) silêncio. Também me comprometo publicamente a não ficar chateada com os amigos a quem tanto admiro e que de repente, não mais que de repente, não vão votar com o meu voto. Como pode??!! Nós que compartilhamos tantos sentimentos do mundo, será que você não vê que a minha escolha é comprovadamente a melhor?? E que a sua é comprovadamente a pior?? Não, não vou mais me angustiar com nenhuma dessas interrogações.
Vai passar. O 31 de outubro vai passar. A vitória de uma ou de outro pode mudar o país pra melhor ou pra pior, mas a vida nossa de cada dia seguirá seu rumo, com mais ou menos entusiasmo, porém com os mesmos amigos, sempre os mesmos, na vitória ou na derrota. Depois de 31 de outubro, as amizades estremecidas serão recuperadas, tenho certeza. Vou me reconciliar com os que me decepcionaram e a quem eu decepcionei. Só não prometo ser menos passional. Não teria onde sustentar meu trôpego (e feroz) existir.
Portanto, até 31 boca fechada.
Conceição Freitas
Fonte: Correio Braziliense
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