sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Opinião: Os bueiros de Grayskull

“Pelos poderes de Grayskull!”, gritava o jovem Adam antes de se transformar no He-Man. “Eu tenho a força!.” E surgia o super-herói para enfrentar o inimigo Esqueleto em um dos desenhos animados mais populares nos anos 1980. Por triste ironia do destino, foi apelidada de Castelo de Grayskull a obra inacabada do ginásio de esportes que integraria o centro cultural de Ceilândia, que se tornou um dos lugares mais inseguros da cidade por causa do consumo ostensivo de crack. Ou seja: sem cultura nem esporte, a droga tomou conta do pedaço. E o apelido infantil, como revelou a reportagem “Bueiros do crack”, publicada pelo Correio no domingo, mascara cenário aterrador: colchões encardidos e muita sujeira, além de resquícios da utilização da droga. Eis a nossa Cracolândia.

Ainda pior é a realidade dos que se esgueiram e entram em bocas de lobo na QNN1 e QNN 3 para usar a droga. “Dos bueiros, surgem pessoas. Viciados em crack, homens, mulheres e crianças deixam o local como se fossem ratos em busca de alimento”, descreve a repórter Noelle Oliveira, utilizando palavras tão fortes quanto as imagens de Antonio Cunha. Na terça-feira, outra dupla de jornalistas, o repórter Saulo Araújo e o fotógrafo Ronaldo de Oliveira, voltou ao local para registrar o fechamento provisório das entradas das bocas de lobo e acabou sendo atacada com pedras após flagrar a sujeira depositada no local usado pelos viciados. Pelas fotos e pelos textos, surge a constatação: na Brasília cinquentenária, em pleno século 21, há seres humanos vivendo (?) em condições menos dignas do que muitos bichinhos de estimação. E essas pessoas, para se defender dos “inimigos”, atacam com paus e outros objetos. Voltamos à pré-história. Ou melhor: estamos na idade da pedra do crack.

“Nosso trabalho aqui é enxugar gelo”, reconheceu o cabo Moacir Rocha, um dos responsáveis pelo policiamento em Ceilândia. Ele lembrou que não adianta prender os usuários, considerados viciados e não traficantes. “Isso aqui não se resolve apenas com polícia”. O oficial tem toda razão. Apenas com ações intensivas de diferentes instituições será possível vislumbrar alguma luz na trilha sombria traçada pelo crack no país. Não estamos no planeta Etérnia; aqui não há He-Man para solucionar os problemas com golpes de espada e lições de moral. O que aumenta a cada dia, e bem do nosso lado, são as cenas de um filme de terror. De dia, pessoas rastejam como formigas. À noite, viram zumbis; com os cérebros irremediavelmente devastados, os mortos-vivos vagam pela escuridão. Dispostos a tudo pois não há mais nada a perder. Ou o Brasil acaba com o crack. Ou o crack acaba com o Brasil.


Carlos Marcelo


Fonte: Correio Braziliense

Nenhum comentário: