quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Um tapinha não dói...

Depois de muita negociação, o controverso projeto de lei que proíbe pais de baterem nos filhos, também conhecido como lei da palmada, foi aprovado na Câmara dos Deputados ontem. Se não houver recurso assinado por 52 parlamentares exigindo apreciação pelo plenário, o texto seguirá para o Senado. Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente já preveja ações contra agressões e maus-tratos, a proposta traz os conceitos de castigo físico e tratamento cruel ou degradante, determina sanções que vão de advertência a tratamento psiquiátrico para os autores da violência e estabelece multa de três a 20 salários mínimos a médicos, professores e agentes públicos que tiverem conhecimento de castigos físicos e não os denunciarem às autoridades. Mal foi aprovado, o projeto enviado ao Congresso em 2010 pelo Executivo já suscita polêmica entre especialistas e na sociedade.

Para Frederico Viegas, professor de direito civil da Universidade de Brasília (UnB), as leis não devem invadir a liberdade familiar. “Essa é uma interferência grande e grave nessa relação. Ninguém está dizendo que o pai pode espancar um filho, mas é a questão de como o pais devem educar o filho, que pode ser de maneira mais ou menos rígida. A forma como os pais devem educar os filhos ultrapassa o dever do Estado”, afirma. Viegas acredita que a lei poderá ser contestada. “Corre o risco de chegar ao Supremo Tribunal Federal para ser decidido se ela é ou não constitucional.” Segundo Ângela Barros, professora de psicologia da UnB, é preciso que o conceito de violência fique muito claro. “Existem palmadas e palmadas. Tudo que cabe interpretação é muito complicado, ainda mais a interpretação subjetiva das pessoas envolvidas”, adverte a psicóloga.

Vicente Faleiros, especialista em violência e docente na UnB, considera que a lei será um marco histórico das “novas relações dos pais com as crianças”. “Acho que a polêmica em relação ao projeto vem justamente dessa tradição de educar com o castigo corporal. Hoje, nós temos um novo tipo de relacionamento com a criança que permite dar limites de muitas maneiras.

Com diálogo, com educação e mesmo com castigos não corporais”, diz. A relatora da matéria, deputada Teresa Surita (PMDB-RR), vai na mesma linha de raciocínio ao defender que o projeto tem caráter pedagógico. “Dar uma palmada não é crime, não acontece nada com os pais, como punição. Não se propõe que se puna ou penalize os pais”, diz a parlamentar. “Mas a palmada é uma violência, é o início de qualquer agressão. A essência da lei é proteger a criança de qualquer agressão.”

O projeto de lei pode modificar relações como a de Júlia*, 14 anos, e a mãe, Norma*, 33. Ambas foram recentemente ao Conselho Tutelar do Distrito Federal para tentar minimizar a situação de violência. “Ela bate com pau, mangueira… Uma vez, me bateu com a mangueira e eu fiquei toda roxa, demorou um mês para sair.

Ontem, foi com cabo de vassoura”, diz a adolescente. Norma rebate: “Já bati em todos os meus filhos, mas na maneira de corrigir e não de espancar. O certo seria nunca bater nos filhos, mas muitas vezes chega um limite que a gente não aguenta”, desabafa. Apesar disso, Norma sabe dos malefícios de surrar os filhos. “Depois, a família se afasta.

Não dá para fingir que nada aconteceu.” Mesmo assim, a mulher se pergunta, como tantos milhões de pais e mães brasileiras, como educar os filhos sem no mínimo a famosa palmada. “Onde eu moro, os pais batem nos filhos para ensinar. Eu tenho medo de não dar o limite certo e eles virarem uns delinquentes.”


* Nomes fictícios


Fonte: Correio Braziliense

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