Fosse o cineasta Adirley Queirós um cara vingativo, ele estaria por cima da carne seca: como sentiu desrespeito, no tratamento reservado aos diretores, no mais recente Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, preferiu retirar o longa A cidade é uma só? da Mostra Brasília. Deu o destino as suas voltas, e, pronto: o filme, exibido na 15ª Mostra de Tiradentes (Minas Gerais), levou o prêmio principal, despertando representantes da curadoria de eventos fílmicos como Cannes, Veneza e San Sebastián (Espanha).
“Abriu portas que a gente ainda nem tem noção”, comemora o “autêntico ceilandense” (nascido, na verdade, em Morro Agudo de Goiás). “Foi um filme que explodiu na tela. A coisa mais fantástica que já vivi. Algo parecido com a repercussão do curta Rap, o canto da Ceilândia, quando parou o Cine Brasília, na época. Fui aplaudido, em Tiradentes, por 800 pessoas do festival mais crítico do país”, observa o diretor de 41 anos.
Um ponta de vaidade aflora — ou melhor, de pertencimento, quando Adirley percebe que “a crítica começa a falar que existe um cinema diferente em Ceilândia, em relação ao cinema de Brasília”. Explica-se: A cidade é uma só? se atém a dado verídico, de cisão, “no filme, há a música tema que retirou Ceilândia de Brasília. Jogaram as pessoas para cá (Ceilândia), expulsaram”, como ele diz.
Alheia ao contexto socioeconômico da medida do governo, nos anos 1970, em que “crianças foram recolhidas em escolas públicas para integrar um coral que, pelo canto, deu base para aliviar a remoção”, uma menina acalentou o sonho de projeção, por meio da música. Nancy Araújo, do grupo Natiê, era a criança que agora dá depoimento para a fita de Adirley Queirós. Num misto de ficção e realidade, entram em cena os atores Wellington Abreu (do Hierofante) e Dilmar Durães. Feito pelo rapper Marquim (do grupo Tropa de Elite), um personagem marqueteiro completa a trama de A cidade é uma só?.
“Crio aquela confusão nos espectadores sobre quem são os atores”, explica, ao falar da trama que tem de candidato a distrital passando por corretor de lotes na periferia e apropriações fictícias de documentos verdadeiros. “Com o filme mostrado em Tiradentes, houve demanda muito grande de pessoas interessadas, lá fora. Para circular, vou ter que colocá-lo no suporte de película”, explica Queirós, em torno da produção que derivou de um projeto para a tevê (em edital que ofertou R$ 400 mil). Um ano e meio depois da fagulha inicial da fita, a perspectiva é a de que a versão abreviada seja exibida, via TV Brasil, em canal aberto, no aniversário de Brasília (em 21 de abril).
Ricardo Daehn, do Correio Braziliense
Fonte: Pernambuco.com
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